Ontem vi o filme Constantine, estrelado por Keanu Reeves e dirigido pro Francis Lawrence. Apesar de algumas incongruências com a fidelidade aos textos bíblicos, a começar por atribuir a morte de Jesus a uma lança, uma forma guerreira de morrer bem alheia a Cristo, e não à Cruz (tinha Jesus que ser degradado até a última gota, sem honra alguma, como o mais reles dos homens, daí a Cruz), gostei da obra. O filme é, todo ele, símbolos. Na cena inicial do achado da ponta de lança perdida - a Lança do Destino da citação inaugural -, vemos o cão, o mesmo bicho que acompanha a morte de Victor Corleone, o mesmo canídeo do outro filme de que quero falar, o Lobisomem, filmado em 1941. É sempre o Cão, o Andrógino nojento a ameaçar a humanidade. Claro, é o Mal que está em tela. No Constantine vemos os diferentes planos interagindo, os anjos e demônios duelando pela alma e pela posse do corpo dos homens e mulheres. John Constantine é especial porque vê os demônios e os anjos, algo fora do alcance da maioria dos mortais. O Mal metafísico tem manifestações reais e é disso que trata o fenômeno religioso desde a Origem. A descoberta do Deus Único e a sua Piedade para com a humanidade, a encarnação do Verbo - em suma, a Revelação, dá o antídoto contra o Mal, o caminho para a Salvação. Desde tempos imemoriais os homens convivem com esses seres especiais, os médiuns. Assim nos tempos bíblicos, assim agora. Como entender Nietzsche e seu Zaratustra deslocado dessa realidade fantasmagórica? Jung levou toda a vida a falar desses anjos e demônios. Eu convivo com quem tem o "dom" ou a maldição de enxergar mais além. Sei que o filme não é uma mera recriação para o cinema de histórias em quadrinhos. Relata uma realidade mística conhecida. [Quando se vê as imagens de Hitler no filme de Leni Riefenstahl, por ocasião do VII Congresso do partido Nazi, ao receber a palavra percebe-se claramente quando o ser humano é tomado pela besta. Essas imagens têm um valor histórico inestimável sobretudo por documentar essa metamorfose em alguém radicalmente possuído pelo Mal transcendente.] Mas falemos dos símbolos. As armas de John são amuletos, água benta e fórmulas feitas, que lhe dão o poder do exorcismo. Em uma cena chama a atenção especial o amuleto usado para proteção pelo padre, com a imagem do Laço Infinito, o mesmo que está na logomarca do Unibanco, comentada por mim anteriormente. No filme ela é posta de forma positiva, protetora. Mas é um símbolo satânico, invocador de demônios. Está aí uma outra incoerência do filme, pelo menos até onde me é dado conhecer tal símbolo. John é um homem comum, mortal, fumante, doente e cínico. Mas com grandes dotes espirituais, que usa para o bem. Embora narrando uma simbologia confusa, minimizando o poder da Cruz, no conjunto o filme reconhece o poder da Igreja de Cristo, da própria Cruz ela mesma, como instrumento de salvação. A arma de John tem a forma de Cruz e lança água benta. O inferno é retratado como um duplo da Terra, devastada. Multidões em agonia. O inferno está na multidão, preciso reconhecer. Todo coletivo é demoníaco, carrega a semente do Mal. O Bem só pode residir no indivíduo, na consciência individual. Os demônios são retratados como figuras deformadas derivadas do homem, lembrando cadáveres e esqueletos. Estão associados a insetos, seres primitivos e horrendos, nauseantes. Horríveis, como que saídos do quadro de Bosch. As realidades se sobrepõem, sendo a consciência dos homens o campo onde se dá o duelo entre o Bem e o Mal. Cabe ao homem fazer a escolha. Nisso nem Deus pode ajudar, é seu grande fardo. Isabel, irmã-gêmeas de Ângela, personagem central na trama, escolheu suicidar-se para se livrar dos demônios. Sem perdão. Fez a escolha errada, não tem volta, está irremediavelmente condenada. Fez do "dom" a sua maldição. O filme Lobisomem (Wolf Man), dirigido por George Waggner em 1941, é um trabalho notável. Não o conhecia. Estava a rodar os canais da Tv por assinatura quando o mesmo estava começando. Parei o que fazia para vê-lo até o final. Interessante como aqui a figura do lobo (cão), o Mal e o pentagrama estão intimamente associados. A estrela de cinco pontas marca a mão daqueles que serão levados pelo Demo. Poucas vezes vi esse símbolo ser exaltado com tanta nitidez. A estética é a dos anos quarenta, os atores foram mal escolhidos (o filho é corpulento e alto, o pai miúdo, baixo). No mais, é muito bem feito. Vale conferir, especialmente se você, leitor, estiver interessado na questão do Mal metafísico e do símbolo do pentagrama. Nota do Editor: José Nivaldo Cordeiro é executivo, nascido no Ceará. Reside atualmente em São Paulo. Declaradamente liberal, é um respeitado crítico das idéias coletivistas. É um dos mais relevantes articulistas nacionais do momento, escrevendo artigos diários para diversos jornais e sites nacionais. É Diretor da ANL - Associação Nacional de Livrarias.
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