A 25 de outubro de 1975 - há 30 anos, portanto - o jornalista Vladimir (Vlado) Herzog, diretor da TV Cultura de São Paulo, compareceu ao DOI-Codi, Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna, órgão maior da repressão na capital paulista. Na véspera, agentes tinham ido à casa de Vlado intimá-lo a prestar depoimento. Era acusado de atividades subversivas. O que aconteceu naquele dia 25 de outubro durante muito tempo foi um mistério. Hoje, sabe-se que o "depoimento" traduziu-se numa sessão de tortura e, logo após, na morte de Vlado. Segundo o DOI-Codi, o jornalista suicidou-se, enforcando-se com a cinta do macacão que usava. Uma versão que não convenceu ninguém. Exatamente para evitar suicídios, os presos tinham de entregar até os cordões dos sapatos que usavam - como Vlado poderia ter ficado com o tal cinto? Os mais informados sabiam que, por trás do acontecimento, estava uma briga de poder; de um lado, a linha-dura, representada pelo general Ednardo d’Ávila Mello, comandante do II Exército, sediado em São Paulo; do outro, o presidente Ernesto Geisel e seu principal assessor, Golbery do Couto e Silva, que tinham prometido uma abertura "lenta, gradual e segura". O assassinato de Vlado, que ocupava um cargo no governo paulista, favorável à abertura, era um desafio a esta posição. Herzog foi enterrado no Cemitério Israelita do Butantã. Havia uma grande expectativa em relação a seu sepultamento. Segundo a religião judaica, os suicidas não podem ficar ao lado de outros mortos; devem ser sepultados ao pé do muro. O lugar do túmulo, portanto, seria decisivo. E aqui entra uma figura singular: o rabino Henry Sobel. A ele cabia a decisão. Que foi firme. "Vi o corpo de Herzog. Não havia dúvida de que ele tinha sido torturado e assassinado", disse o rabino depois. O enterro foi assim um mudo e simbólico gesto de protesto contra a ditadura. Na Bíblia hebraica, os profetas eram personagens que, com destemor, afrontavam os poderosos, denunciando a injustiça. Naquele dia, Sobel honrou a tradição profética. É algo que não devemos esquecer. A democracia voltou ao Brasil. E veio para ficar, graças ao sacrifício de Vlado e de muitos outros, e graças à coragem de Sobel e de muitos outros.
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