Já passou da hora de os institutos de pesquisa revisarem seus procedimentos, ou de a legislação eleitoral repensar a liberdade que lhes concede. Estão falhando demais. E creio que essa é a primeira constatação que nos impõem os números que estão sendo divulgados. Como aceitar que tais organismos, errando como têm errado nas últimas oportunidades, possam exercer sobre a política, através da opinião pública, o poder que exercem? Não me recordo de outra ocasião em que nosso povo tenha tido oportunidade de se manifestar sobre algo tão estreitamente relacionado com a utopia quanto neste domingo. O que estava em discussão, de fato, era exatamente isto: um delírio utópico. "Adeus às armas" e viveremos em paz é coisa de lunático, algo que entra em contradição com toda experiência humana e o eleitor brasileiro percebeu. Só o tempo nos dirá, no entanto, se esse momento de contato com o realismo exercerá influência sobre outras decisões políticas que deveremos tomar nos processos eleitorais vindouros. Até agora, a cada pleito, vinha crescendo a adesão da sociedade brasileira às utopias esquerdistas. A maior parte dos desencantados com o governo Lula, por exemplo, é constituída por pessoas que acreditavam piamente na utopia petista que, na oposição, tinha solução para tudo e acusações contra todos. Mas se a tese central da proibição do comércio de armas e a publicidade do "Sim" era um delírio, um "elogio à loucura" (para adotarmos o título da obra de Erasmo), os argumentos usados para tentar roubar aos cidadãos brasileiros um direito natural à legítima defesa, era um elogio à mentira. Esse elogio é feito por Bertold Brecht em "Die Massnahme", na famosa frase em que exalta o compromisso dos comunistas com a causa e o papel que a mentira representa para sua vitória. Portanto, entre Erasmo e Brecht, entre a loucura e a mentira, andaram a tese e a campanha do "Sim". Domingo foi um dia esplêndido. A derrota do governo e do partido do governo, comprometidos até as orelhas com o referendo e com o "Sim", a derrota da Rede Globo e seus astros, a derrota das ONGs internacionais, a derrota da Glock (fabricante austríaca de armas) e de seus interesses no referendo brasileiro, e a derrota pessoal de Lula, que escreveu um artigo para a Folha de São Paulo com o título "Mais vida, menos armas", foram vitórias do discernimento do cidadão brasileiro. Ele percebeu onde estavam a loucura e a mentira. A utopia e a mistificação. Agora é a vez do Congresso Nacional. A derrota do "Sim" pode e deve ser entendida como um veto nacional ao próprio Estatuto do Desarmamento, que precisa ser repensado em sua concepção. Caiu o disposto no art. 35 (a proibição à comercialização), mas o resultado foi tão acachapante que os senhores congressistas devem repensar muitas demasias embutidas na lei que aprovaram. Nota do Editor: Percival Puggina é arquiteto, político, escritor e presidente da Fundação Tarso Dutra de Estudos Políticos e Administração Pública.
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