Buenos Aires - Há cerca de duas semanas o governo francês e a imprensa mundial foram pegos de surpresa por uma série de atos violentos, com destaque para o enorme número de automóveis incinerados na periferia de Paris. Até então nenhum grande meio de comunicação havia atentado para uma realidade que estava a ponto de explodir: a péssima condição de vida dos imigrantes, legais e ilegais, que vivem nos paises da União Européia. Quando surgia como pauta o tema imigração, o alvo preferencial da imprensa era os Estados Unidos e o seu sistema de repressão aos milhares de deserdados da América Latina que tentam cruzar a fronteira com o México para se integrar ao american way of life. O exemplo mais claro disso no Brasil foi a novela "América" e a seqüência de matérias publicadas que tiveram como referência a trama global da imigrante ilegal brasileira Sol. Algumas vezes, a imprensa argentina publicou matérias falando sobre a forte repressão que o governo do Marrocos, aliado ao governo espanhol, realiza contra as centenas de africanos que tentam adentrar o paraíso europeu, porém nada se compara ao número de linhas dedicadas a falar sobre o tema da imigração nos EUA. A França, conhecida mundialmente pelo lema de sua revolução burguesa, liberdade, igualdade e fraternidade, mostrou que pelo menos para uma parte importante dos imigrantes que vivem lá tais palavras não se transformaram em realidade. Dentro de um contexto de insatisfação ignorado, ou pelo menos subvalorizado, pelos principais meios, o que seria apenas mais uma notícia de dois imigrantes mortos quando fugiam da polícia se transformou em uma das maiores rebeliões já vistas em qualquer país desenvolvido nos últimos anos. Ao contrário do "Maio francês" de 1968, relembrado com certo romantismo até hoje, a atual rebelião promete não deixar saudades entre os franceses, que se vêem ameaçados pelos enormes grupos de jovens rebelados nas periferias, sem frases utópicas nem ideais políticos revolucionários. A comparação dos atuais incidentes com os ocorridos no ano de 1968 nos permite traçar um esboço da conjuntura em que estamos vivendo: saem os estudantes e intelectuais que sonhavam em mudar o sistema e entram os jovens imigrantes desempregados que se revoltam contra um sistema que não os inclui, cala-se o Quartier Latin e arde a periferia. Embora a revolta nos subúrbios de Paris possa não trazer benefícios concretos para os marginalizados pelo establishment francês, servirá para que a imprensa comece a dar mais importância para a questão dos imigrantes que obedece à lógica Norte-Sul, entre ricos e pobres, onde não existem países desenvolvidos que estejam dispostos a compartilhar seu Estado de Bem Estar Social com quem não seja seu cidadão.
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