Nos últimos anos, através do estudo do DNA, a ciência deu uma grande contribuição para a resolução de casos relativos à identificação de pessoas desaparecidas e a solução de crimes. A identificação humana a partir de DNA funciona como uma espécie de código de barras. Assim como o código de barras identifica um produto, as informações do DNA demonstram o código genético de cada ser humano. Este código é único e distingue determinada pessoa de todas as outras. Pessoas mortas há dezenas, centenas de anos, podem ser identificadas através do DNA obtido de ossos ou dentes, por exemplo. Na área criminal, a principal aplicação do exame de DNA se dá na identificação de pessoas assassinadas, cujos corpos não foram oficialmente encontrados, e também para apontar a autoria de crimes. Conhecidos como exames forenses, esses exames de DNA podem ser realizados em diversos materiais como: ossos carbonizados, ossadas, dentes, manchas de material biológico, fios de cabelo, pelos, unhas, material anatomopatológico, tecido biológico em estado de putrefação, saliva, secreção vaginal, cordão umbilical e líquido seminal. Esses materiais podem ser coletados dos mais diversos lugares e objetos, como, por exemplo, salivas em canudinhos de plástico, chicletes mascados, fios de cabelo, sangue ou suor em peças de roupa ou cenas de crime. O sucesso da análise depende do estado do material analisado. O grau de deterioração, a forma de conservação e o tempo decorrido podem influenciar o resultado ou impedir a identificação. O caso mais recente, amplamente divulgado na mídia, foi o da identificação dos restos mortais do militante político Flávio Carvalho Molina, morto durante o regime militar na cidade de São Paulo, em 1971. Flavio Molina foi enterrado com o nome falso de Álvaro Lopes Peralta e, posteriormente, os restos mortais foram transferidos para uma vala clandestina. Em 4 de setembro de 1990, a vala foi aberta e as 1.049 ossadas que estavam no local foram encaminhadas para a Unicamp para que fosse feito o processo de identificação. Posteriormente, os restos mortais ficaram sob a guarda da Universidade de São Paulo. Desde que foi exumada, a ossada de Flavio Molina vinha sendo submetida a tentativas de identificação em laboratórios do Brasil, Colômbia e Inglaterra. Em 2004, a Comissão Especial dos Mortos e Desaparecidos Políticos foi acionada pelo irmão de Flavio Molina, Gilberto Carvalho Molina, para dar seguimento ao processo de identificação na Universidade de Buenos Aires. Entretanto, a equipe Argentina não obteve êxito na identificação. Neste ano, o material foi enviado à Genomic, que realizou a identificação a partir da extração de DNA de uma amostra do fêmur, que foi confrontado com material genético da mãe de Flavio Molina. A responsabilidade do Estado na morte do militante foi reconhecida em 1996 e o pedido de indenização foi aprovado por unanimidade pela Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, com base na Lei 9.140/95. Esse é apenas um exemplo dos muitos casos antes chamados de insolúveis, que podem ser solucionados com o auxílio da ciência, em particular o exame de DNA de ossada. As informações genéticas aí contidas elucidam crimes e facilitam o reconhecimento de pessoas desaparecidas. Porém, para que esse objetivo seja cumprido e as vantagens da ciência sejam aplicadas, há a necessidade de os governos e a sociedade iniciarem uma discussão sobre as vantagens e desvantagens da constituição de um Banco de DNA, sua utilidade e viabilidade ética. Em especial nos países constantemente ameaçados por tragédias naturais ou terrorismo, a criação de um Banco de DNA seria a ferramenta ideal para a identificação de vítimas. Nos EUA, Inglaterra e dezenas de outros países já existem, por exemplo, banco de dados de DNA de criminosos e amostras de cenas de crime, o que ajudou a polícia americana em mais de 27 mil inquéritos. Nota do Editor: Manoel Benevides é Diretor da Genomic Engenharia Molecular, especializada em exames por análise de DNA.
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