Como pode a Igreja se opor a algumas das mais irresistíveis inclinações da mentalidade contemporânea? A história das últimas décadas nos mostra que João Paulo II e Bento XVI chegam a ser escandalosos em sua resistência a essa avalanche. Mais surpreendentes ainda se tornam quando resulta evidente que a instituição a eles confiada perdeu fiéis e enfrenta, em quase toda parte, dificuldades de recrutamento... Em tempos de marketing, de pesquisa de mercado, das "quanti" e das "quali", para dizer como os marqueteiros, como admitir que comandantes supremos de qualquer organização expressem tanta indiferença face às opiniões dominantes? Nenhum político moderno ou empresa que queira ter vida longa pode desconsiderar as convicções de eleitores e consumidores. E a Igreja dá claros sinais de fazer exatamente isso. No entanto, o que talvez seja motivo de ainda maior pasmo: a Igreja se interessa, sim, pelas opiniões dominantes. Tal interesse, porém, não é orientado no sentido de a elas se adaptar, mas no sentido de sobre elas agir. O tipo de liderança que a Igreja exerce é totalmente distinto daquele a que estamos acostumados, no qual o suposto líder faz o que os liderados querem. A missão confiada a Igreja impõe-lhe agir sobre a opinião pública, evangelizando-a, com os modestíssimos meios de que dispõe. Tais meios são tão insuficientes perante o vigor e a pluralidade da mídia moderna que é esta que acaba influenciando muitos fiéis e (até mesmo!) pastores, e não o contrário. São João, em seu evangelho, ao narrar o modo como foi anunciada a Eucaristia, cita o longo discurso ao cabo do qual Jesus se apresenta como alimento para o mundo. Como era de se imaginar, muitos de seus seguidores, a partir desse momento, deixaram de andar com ele, e mesmo entre os que permaneceram havia murmúrios de contrariedade. Diante da debandada, em vez de mudar de idéia ou voltar atrás do que dissera, Jesus perguntou aos doze: "Vocês também querem ir embora?" Outro exemplo nos foi dado pelo papa Clemente VII. Corria o ano de 1527 e Henrique VIII, da poderosa Inglaterra, pretendia divorciar-se de Catarina de Aragão para se casar com Ana Bolena. Colocava-se para o pontífice, a quem o pedido de divórcio foi encaminhado, a escolha entre ceder ao rei ou perder seu reino. Não se tratava do afastamento de alguns fiéis, mas de um cisma que iria retirar a Inglaterra para sempre do seio da Igreja. Que fez Clemente VII? Cedeu aos clamores da política? Ouviu o que lhe aconselhavam muitos de seus cardeais, inclusive o de Canterbury? Não. Perdeu a Inglaterra, mas não cedeu perante a doutrina. Creio que esses dois fatos são bem esclarecedores. Não se espere concessões da Igreja perante as tendências da opinião pública. Há princípios face aos quais ela não pode transigir sob pena de se perder a si mesma. Nota do Editor: Percival Puggina é arquiteto e Presidente Fundação Tarso Dutra de Estudos Políticos e Administração Pública. Conferencista muito solicitado, profere dezenas de palestras por ano em todo o país sobre temas sociais, políticos e religiosos. Escreve semanalmente artigos de opinião para mais de uma centena de jornais do Rio Grande do Sul.
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