Na encíclica Rerum Novarum, publicada em 1891, época em que o comunismo era apenas uma tese ainda distante um quarto de século de sua primeira experiência, o papa Leão XIII, referindo-se a esse modelo, escreveu: "Além da injustiça do seu sistema, vêem-se bem todas as suas funestas conseqüências, a perturbação em todas as classes da sociedade, uma odiosa e insuportável servidão para todos os cidadãos, porta aberta a todas as invejas, a todos os descontentamentos, a todas as discórdias; o talento e a habilidade privados dos seus estímulos, e, como conseqüência necessária, as riquezas estancadas na sua fonte; enfim, em lugar dessa igualdade tão sonhada, a igualdade na nudez, na indigência e na miséria". Foi profeta. A história veio lhe dar inteira razão. No entanto, se as previsões do sábio pontífice foram confirmadas e pouca gente esclarecida rejeita suas afirmações sobre a ineficácia do sistema comunista, tem passado meio desapercebida a relação cuja existência ele identificou entre o comunismo e a inveja. A inveja nasce da comparação e se afirma como um sentimento duplamente negativo: a alegria pelo mal alheio e a tristeza pelo bem alheio. Os moralistas (estudiosos das questões relativas à moral) afirmam que o invejoso é a principal vítima desse sentimento. De fato, a inveja mata. Ela é um canhão que dispara para frente e para trás. No entanto, quando força motriz de um modelo político, ela se torna genocida e pode se voltar para a extinção de uma raça, de uma classe social ou de uma nação inteira. Como só gera miséria, o comunismo é movido a inveja. É a inveja que está nas ruas de Paris. Foi a inveja que explodiu as Torres Gêmeas. É a inveja que não consegue esconder a alegria perante tais fatos. Foi a inveja que deu causa ao holocausto. É a inveja que faz com que todo esquerdista nutra ódio mortal pelos Estados Unidos. Eles não podem conviver com tamanha evidência dos equívocos em que se afundaram. O ódio que têm ao Bush não guarda relação com humanismo e anseios de paz. Estiveram calados durante a Primavera de Praga, durante a invasão comunista do Tibet e assistiram desolados a queda do Muro de Berlim. Recentemente, uma emissora de TV exibiu reportagem feita com jovens da periferia de Paris protagonistas das arruaças em curso. Um deles levou a repórter para ver onde vivia. Era um edifício popular, muito melhor do que as moradias de qualquer favela brasileira. Sem muito que dizer, a moça disparou: "Já se nota o contraste entre isto aqui é os palácios de Paris". Acho que ela queria levar a rapaziada para Versailles. Enquanto isso, seu revolucionário guia apontava as más condições do prédio: paredes tomadas por pixações, a sinalizarem o caráter pouco civilizado dos moradores, e um balde, no meio da sala, marcando a existência de uma goteira, como se fosse dever do governo francês subir no telhado para reparar tão complexo problema. No fundo, é tudo inveja e eu entendo o sentimento dos franceses a respeito do que estão fazendo no país deles. E enquanto aguardo por uma matéria jornalística feita com os proprietários dos bens que estão sendo destruídos, penso se meus bisavós italianos que imigraram para o Brasil, e aqui enfrentaram imensas dificuldades, teriam, um dia, sonhado em fazer o que esse pessoal anda fazendo na França que lhes dá cidadania, moradia, educação e assistência social. Nota do Editor: Percival Puggina é arquiteto, político, escritor e presidente da Fundação Tarso Dutra de Estudos Políticos e Administração Pública.
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