O Diário de Pernambuco, integrante da rede Associadas, criada por Assis Chateaubriand e considerado o mais antigo de língua portuguesa na América Latina, fez no dia 7 de novembro 180 anos. A minha mais remota lembrança do Diário é o grito forte do jornaleiro que ia da estação da Great Western ao centro de Gravatá, oferecendo o jornal. O trem chegava às 9 horas. Aos que encomendavam, Zé do Gelo entregava o jornal a domicílio. Em seguida, se ajeitava num pequeno banquinho de madeira, na verdade uma pequena caixa onde ele guardava graxa, escovas, tinta preta, panos, flanelas e pincéis, para dar brilho aos sapatos dos fregueses, em geral amigos e conhecidos, entre os quais meu inesquecível pai Dedé, o sacristão da igreja de Sant’Ana. Quem quisesse dar um brilho nos sapatos poderia também dar um lustre em seus conhecimentos, dando uma espiada nas manchetes ou lendo as reportagens. Menino ainda, não tinha dinheiro para tão nobre despesa. Tornei-me então amigo do jornaleiro, com quem comentava as notícias do dia após leitura enviesada. Com sorte, ganhava um exemplar que algum leitor descartara. Podia então levar para casa e degustar as notícias em toda sua plenitude e ler também comentários e anúncios. Outra artimanha para ganhar o jornal era tomar conta do espaço enquanto Zé do Gelo ia almoçar. Sonhava desde então com o jornalismo e também com justiça social, ao ler a placa de bronze do outro lado da rua com a inscrição: "Aqui Tombou Cleto Campelo". Não sabia porque ele lutara até tombar, na rua que hoje tem seu nome. Depois fui ler Alberto Frederico Lins, o historiador da cidade, para entender o envolvimento do tenente com a Coluna Prestes, que lutava por justiça social à sua moda, antes de Luiz Carlos Prestes tornar-se comunista. Misturava esses sentimentos com a palavra de ordem do Cônego Elias, um santo homem que se preocupava com os pobres e pregava a necessidade de ajudar o próximo, em seus sermões. Sentimento cristão e Diário de Pernambuco forjaram um futuro jornalista que um dia colaborou com a Folha do Povo e lutou pela eleição de Miguel Arraes de Alencar para governador de Pernambuco e Pelópidas da Silveira para prefeito do Recife. Uma das mais gratas recordações do Diário foi quando procurei o poeta Mário Mota, então editor-chefe do jornal mais antigo da América Latina. Tendo publicado alguns poemas em Caruaru (Jornal do Agreste e A Defesa), quis saber de minhas possibilidades no DP. Ele me saudou com surpreendente gentileza, afirmando que já havia lido alguns de meus poemas. Ressaltou que meu nome era uma combinação fonética que o agradava. "Que nome bonito!" - disse-me textualmente. Assim, nunca fiquei sabendo se ele publicava meus versos por suas qualidades poéticas ou pela sonoridade de meu nome. Omito, como o faço até hoje em meus eventuais escritos, o prenome José. A idéia de procurar o Diário de Pernambuco tinha sido do escritor Paulo Cavalcanti, leitor assíduo do jornal e grande admirador de Mauro Mota. O Diário sempre esteve presente na vida política e cultural de nosso Estado. É a própria história de Pernambuco que se encontra em suas páginas. As últimas reformas gráficas e editoriais o colocam no mesmo nível de qualquer jornal do país. Nota do Editor: Flávio Tiné é jornalista e autor dos livros "Pois não, doutor", sobre o HC de São Paulo, e "Viver Tem Remédio", crônicas.
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