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Opinião
26/11/2005 - 18h09
Meu querido Markun
Flávio Tiné
 

Todo relato envolvendo perseguição política, prisões injustas e sofrimentos traz necessariamente o viés da vítima, com a visão privilegiada de quem sentiu na própria carne a dor de ferimentos físicos ou morais. Mas pode trazer também a distorção em seu favor. Há os sadomasoquistas, que se comprazem em relatar minúcias sem importância para realçar sofrimentos que em nada contribuem para a compressão dos fatos; há os que atribuem demasiada importância à sua participação; há os que personificam exageradamente os feitos como se fossem heróis, e assim por diante.

No caso de "Meu querido Vlado" não há nada disso. Pelo contrário, há um relato objetivo, desadjetivado, sem paixão, como se o autor estivesse contanto uma história que não o comoveu.

No caso, ousaria dizer que faltou emoção na forma de contar os fatos, o que talvez se deva à longa experiência de Paulo Markun como chefe de reportagem e editor. Virou copy desk de si mesmo. Acostumado às exigências do jornalismo moderno, que prega isenção e objetividade, o autor não consegue levar o leitor às lágrimas, nem quando descreve a separação dos filhos e da mulher, fato que normalmente desarma o mais durão dos heróis.

Pode ser que o Markun estivesse de tal modo impregnado de sua missão revolucionária, e de tal forma convencido de sua possibilidade, que não se permitia o luxo de amar. Não, isso não é provável. Mas é verdade, como ele mesmo conta no livro, que a aproximação do casal foi toda ela forjada a partir de uma discussão ideológica profunda.

Há o precedente, com certeza diferente mas aqui lembrado apenas para justificar a frieza dos relatos, de Prestes x Olga, em que o amor à causa era maior do que o amor à companheira. A relação sexual - suponho, era apenas uma decorrência da imperiosa necessidade de estarem juntos, 24 horas. Ganhou importância no filme Olga por necessidade de bilheteria.

Claro, não tenho elementos para fazer tal julgamento, pois à época conhecia Markun apenas de vista, em eventuais reuniões no Sindicato dos Jornalistas. E tal especulação não contribuiu em nada para analisar o sentido deste seu depoimento. Tampouco significa crítica. Essas observações em paralelo são apenas impressões de um leitor sentimental, que passou por episódios mais ou menos semelhantes, em 1964, e que se fosse contar seus infortúnios, não conseguiria conter algumas lágrimas.

O livro começa pelo episódio de entregar nome por nome, por escrito, os companheiros. Nas circunstâncias relatadas, fez-se o que era inevitável. Todo o Exército sabia quem eram os jornalistas ligados ao Partidão. Àquela altura, negar só serviria para ser cada vez mais espancado, tomar cada vez mais choques elétricos ou sofrer outros tipos de tortura, à mercê da imaginação dos torturadores da rua Tutóia, São Paulo. Até morrer, como aconteceu com Vladimir Herzog.

"Meu querido Vlado" resgata o que se passou na importante década de 70, especificamente no ano de 1975. Uma época que em não podíamos escrever nada contra e andávamos pelas ruas olhando para trás, sempre com a impressão de estar sendo seguidos. Relembra a coragem de homens como D. Paulo Evaristo Arns e Audálio Dantas, entre outros, que lideram a famosa missa ecumênica da Catedral da Sé.

No meu cantinho de noticiarista do Estadão, espremido entre os censores oficiais e os editores e subeditores da Nacional (Clovis Rossi, Ricardo Kotscho e Oswaldo Martins, entre outros), acompanhávamos emocionados os acontecimentos.

Lendo o relato do meu querido Makun, lembro-me do delegado Álvaro da Costa Lima, titular do DOPS de Pernambuco em 1964. Durante 30 dias ele me deixou espremido em grossos bancos de madeira, com 300 homens sentados que eventualmente cochilavam uns nos ombros dos outros. Quase todo dia ele me chamava à sua sala e repetia:

- Quer sair daqui? É só relacionar o nome dos jornalistas do Partidão no Recife.

- Não conheço, delegado. Sou apenas jornalista.

A bem da verdade devo confessar que não tocaram em nenhum fio de meus já raros cabelos. Apenas fiz companhia a companheiros que dormiam ora no banco duro, ora no chão, que no Recife não é frio. E até hoje pago o preço de viver no exílio (São Paulo) em sua própria terra, olhando para trás com a impressão de que estão me seguindo...


Nota do Editor: Flávio Tiné foi jornalista da UH até 1964, no Recife, e assessor de imprensa do Prefeito Pelópidas da Silveira, eleito pela mesma coligação que escolheu o governador Miguel Arraes em 1962.

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