O telefone chama insistentemente, mas do outro lado parece não haver mais ninguém. De repente... - Alô. - Alô. Ah, que bom! Pensei que vocês já tinham fechado. - Como fechado? Até onde eu sei estou falando de minha casa. - Como casa? Não é do consultório do Dr. Munhoz? - Esse Dr. Munhoz seria o Dr. Jorge Gonzalez Munhoz, o protético? - Sim ele mesmo. Eu tinha consulta marcada para as sete horas, mas não vai ser possível comparecer. A senhora deve ser a atendente, não? - Não, meu senhor. O consultório do Dr. Munhoz fica aqui no prédio ao lado, mas depois do último temporal o telefone dele e o de minha casa resolveram enlouquecer. Que número o senhor discou? - Ora, 5555-4543, como faço sempre há pelo menos dez anos. - Pois é. Acontece que depois do temporal o pessoal da Companhia Telefônica esteve aqui e mexeu em tudo. Daí em diante o telefone do Dr. Munhoz passou a tocar na minha casa. - Ora, e a senhora não reclamou? - Já tentei, mas a ligação caiu no açougue do Jarbas. - Qual Jarbas? Primo de Lédio? - Ele mesmo, coitado. - Coitado por quê? - Pense bem, meu senhor. Com esta tremenda confusão nas linhas telefônicas de toda a cidade tem gente que não acaba mais ligando pra reclamar. Já xingaram ele de tudo que é nome. Teve gente que até jurou vingança. Não adianta ele dizer que é do açougue, ninguém acredita. Quis apelar para um conhecido que trabalha na companhia, mas ele vestiu a camisa da empresa e vive ocupado. - Meu Deus, que situação. Depois não sabem por que a vaca é louca. - Tenha dó! A coisa é séria e o senhor ainda fica aí fazendo piadinha, é? - Desculpe, senhora. Na verdade estou rindo para não chorar. O Dr. Munhoz ficou de me entregar uma prótese hoje, e eu estou de viagem marcada para as sete e meia. Por isso queria antecipar minha consulta e... - O senhor desculpe, eu não tive coragem de perguntar antes, mas é por causa da falta desta tal prótese que o senhor está falando assim, assoviado? - Justamente. E tenho que fazer uma palestra na abertura de um novo escritório da firma lá em Belo Horizonte. A senhora já imaginou que vexame? - É verdade. Tá parecendo um disco arranhado. E o pior é que eu acho que o Dr. Munhoz saiu desde cedo para tentar resolver um problema pessoal. Encontrei no mercado com a Lúcia... - A atendente, não é? - Isso mesmo; e ela me contou que as coisas pro lado do patrão não andam nada bem justamente por causa desse problema dos telefones. O senhor imagina que... Ouve-se o ruído característico de alguém teclando e em seguida o de chamada. - Ai meu Deus, é linha cruzada! reclama a senhora, interrompendo o relato. - Alô, quem é? - É Patrícia. - Ainda bem que você ligou. Já era hora, não acha? - Ora bolas. Estou tentando falar com você desde ontem, Juarez. Já falei até com uma corretora de valores em Miami, mas Vargem Grande parece não constar do mapa da Companhia Telefônica. - Ora isso é desculpa esfarrapada, sua vagabunda! - Perá lá! O senhor não pode falar assim com a moça! - Ah, essa não! Tem uma panela de pressão que fala, e tá logo na nossa linha! - Ele tem toda a razão! O senhor devia se dar ao respeito e não falar assim com uma moça! - intervém a senhora. - Moça só se for na testa, porque lá embaixo já virou festa! - Juarez você não pode... - Posso sim! Conta pra eles que você abandonou seus filhos e se mandou com o primeiro garotão a cair na sua lábia. - Ah bom! Nesse caso é vagabunda mesmo! - Peraí, ô marmicoc. A mulher pode não prestar, mas é minha e só quem avacalha ela sou eu, tá bom? - Vocês são dois porcos machistas. E fique sabendo, seu Juarez, que eu só não contei todos os seus podres para a Polícia Federal porque a ligação caiu numa igreja evangélica. O pior de tudo foi ter que ouvir um sermão do pastor. - Quer saber de uma coisa? Não tenho saco pra ouvir desculpas. Quando encontrar você o pau vai cantar! - Hum, duvido! Nunca cantou! - Patrícia, Patrícia! Você não me conhece! - Ah! Essa é muito boa. Depois de dez anos de casados ele vem... - Chega! - intervém com energia a senhora. Ou vocês desligam ou chamo a Polícia! - Com quê? Com um apito? Sinais de fumaça? Bandeirolas? - Pára Juarez! Como você é desagradável. Vou desligar! - É melhor mesmo! Diz o homem que procurava o protético. - Cala a boca, pneu furado. Vou desligar porque tenho mais o que fazer. Some o casal. Depois de alguns segundos de silêncio, vem a pergunta. - Me desculpe a curiosidade, mas a senhora ia começar a me contar o que aconteceu com o Dr. Munhoz quando as linhas se cruzaram. - Pois é, ele é mais uma vítima desta maldita Companhia Telefônica. Por causa desse embaralhamento todo, desesperado ele resolveu apelar para a Polícia, e deu azar. - Meu Deus, o que aconteceu? - O senhor não imagina: a ligação caiu num daqueles serviços de tele-sexo e... - Já sei! Vai ter que pagar uma grana preta quando receber a conta, não é mesmo? Reclamar, só depois de pagar! - Ter que pagar e só depois reclamar é só um detalhe a mais nessa embrulhada. O pior é que a mulher dele não acreditou na inocência do coitado e resolveu ligar para os pais, para avisar que estava se separando e voltaria para a casa deles. - Oh!! - É para se espantar mesmo. Uma gravação avisou que aquele número não existia, e a pobrezinha está até hoje desnorteada. Entrou numa profunda crise de depressão; perdeu o referencial, entende? Entende? Ei, seu, seu... Não adianta insistir. Caiu a ligação. Nota do Editor: Victor Dawes Abramo é jornalista.
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