Entender a realidade que nos cerca, vez por outra, nos abriga a recorrer aos espíritos lúdicos, hilários ou bufões da história. Nas reflexões sobre a crise política, que grassa o nosso país, lembrei-me da “HISTÓRIA DE LA VIDA DEL BUSCÓN”, de Francisco de Quevedo e Villegas (1580-1645) que li faz mais de cinqüenta anos. Como toda obra da picaresca espanhola é divertida, hilária, debochada e zombeteira. O protagonista, “Buscón”, é gerado após uma grande orgia, dentro de uma cuba ou tonel de carvalho, apropriado para fermentar as uvas e produzir o vinho. Naquela oportunidade, estando deitado e ocioso, no pátio da adega, serviu para outras fervuras. Na veemência e ebulição do ato libidinoso começou a vibrar e rolar pelo pátio. Quando parou, no muro oposto, estava gerado o Buscón. Como cabia ao bom pícaro, o Buscón, foi criado nos mais rigorosos rituais da picaresca. Desde criança era esperto, velhaco, astuto, bufão e de porte físico avantajado. Nunca levava desaforos para casa. Aos oito anos de idade, saindo da escola, desentendeu-se com um colega. Este o xingou de HdP (em português castiço FdP). O avantajado Buscón lhe deu uma surra, quebrou a cara do garoto e correu para casa. Lá chegando, ofegante e sem alento, a mãe lhe pergunta: Que aconteceu Buscón? Nada, mamãe. O garoto xingou-me de FdP e eu quebrei a cara dele. A mãe, calejada pela vida, virou o rosto para a parede e diz em voz alta: ”Fez muito bem, meu filho, mesmo que o garoto tenha dito uma grande verdade”. Assistindo nossa crise política, na TV, lendo jornais e revistas, comentando com os amigos e refletindo em silêncio sobre essa intrincada opera bufa e o mar de lama e corrupção que a envolve, tenho vislumbrado semelhanças entra a “História de la Vida del Buscón” e nosso governo federal atual. Na gestação do governo houve orgias, garrafas produtoras de vibrações das cubas de Cuba, tonéis de outras origens supostamente suspeitas, fervuras de Duda Mendonça, rodaram e rolaram os dólares e reais da corrupção e todos começaram a duvidar da origem genealógica do governo. Empossado mostrou que tinha assumido a cartilha do pícaro. Roberto Jefferson disse e provou o que o governo era. O que aconteceu com ele? Quebraram a sua cara sob o aplauso de todas as mães dos buscões afirmando: Fizeram muito bem mesmo que tenha dito uma grande verdade”. Não diz uma. Disse muitas grandes verdades. Tantas que, as suas verdades, já produziram algumas baixas de buscões e deverão ocasionar outras. Nas novelas picarescas, o pícaro, após aprontar todas as peripécias a que tinha direito, era mandado para as Índias Ocidentais. Os nossos pícaros estão sendo mandados para... o esquecimento. Infelizmente não vão ser mandados todos os que poluem a vida política. Enquanto continua, a desenrolar-se, a nossa novela picaresca política, o protagonista mor zomba da inteligência do povo brasileiro sem a graça, humor e sabedoria do Buscón, mas, como ele, preparando sua passagem para as Índias. Esperamos não seja de Aerolula. Nota do Editor: Corsino Aliste Mezquita, ex-secretário de Educação de Ubatuba.
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