"O samba, o futebol e outras bossas são - cantava Noel Rosa nos anos 30 do século passado - nossas coisas, são coisas nossas". Caso o grande Poeta da Vila fosse ainda vivo, certamente consideraria entre as "outras bossas", com a grande inteligência e agudeza de pensamento de que era dotado, a incrível e patológica mania que noventa e nove em cada cem brasileiros tem de se fixar apenas nos efeitos de qualquer questão e de revelar total despreocupação com as causas, como se efeito sem causa fosse mesmo um fenômeno factível. Os antolhos que levam muitos a enxergarem apenas o curto prazo, sem se preocuparem com o longo prazo - e que os levam a acreditar que ataques isolados aos efeitos podem surtir bons efeitos, mesmo sem a busca das causas -, não atingem só os olhares dos brasileiros, nem tampouco os dos demais latino-americanos, é mundial, especialmente desde que Lorde Keynes decretou, com empáfia e sem qualquer dose de modéstia que, no longo prazo, estaríamos todos mortos... Um perigoso truísmo que, se levado a sério, pode nos levar a viver a filosofia das cigarras, deixando sempre para amanhã o que deveria ser feito hoje. Mas nós, filhos da Terra de Santa Cruz, indubitavelmente, somos os campeões mundiais dessa patologia do curto prazo. Somos um povo que vive com antolhos e, por isso mesmo, somos conduzidos pelos ditos "homens públicos" como burros, sempre a carregar sobre nossos ombros um peso igual ao somatório de nossa falta de visão com o oportunismo da classe política. Deixar sempre para amanhã... Para que fazer as reformas no Estado e nas instituições, tão profundas quanto necessárias para que nossas vidas possam melhorar, para que deixemos de puxar a carroça lotada de gastos públicos desnecessários, supérfluos e, muitas vezes, criminosos? É mais cômodo e politicamente mais palatável irmos aumentando um impostozinho cá, outro acolá, baixando uma medida provisória aqui, outra ali, fazendo um ajustezinho algures, outro alhures... e assim, chegarmos, na estrada do desenvolvimento e da dignidade humana, a nenhures. "Deixar para amanhã", se algumas vezes pode ser um ato indicativo de prudência, comedimento ou prudência, quando se torna uma ação permanente, transforma-se no lema dos vencidos... Tais considerações vieram-me à mente a propósito da quizília que vem envolvendo a ministra/economista/cigarra Dilma Rousseff e o ministro/médico/formiga Antonio Palocci, a primeira querendo aumentar (e, efetivamente, aumentando, como o fez acintosamente há dias) gastos públicos e o segundo tentando contê-los. A querela, a esta altura do campeonato, nos remete a um passado de erros, nos traz de volta a um presente que mostra que os mesmos não foram absorvidos e nos envia a um futuro de mais problemas, todos facilmente previsíveis. Esta discussão mais do que inoportuna - uma autêntica parlenga - ressuscitada pelos "desenvolvimentistas" com antolhos é antiga. Em agosto de 1979, o presidente Figueiredo trocou Mário Henrique Simonsen que, à evidência dos dois choques do petróleo e do choque da taxa de juros norte-americana, percebeu que nossa economia precisava de um forte ajuste fiscal, por Delfim Netto que, então na pasta da Agricultura e visando o comando da Economia, com o apoio da FIESP, prometeu que, "desenvolvimentista" como era, a economia brasileira voltaria a crescer. Deu no que deu... poucos meses de euforia, no primeiro semestre de 1980, seguidos de uma formidável ressaca, que nos levou a dois fundos, o do poço e o FMI. Anos depois, em agosto de 1985, Sarney demitiu Dornelles da pasta da Fazenda e o substituiu por uma dupla que representava os interesses do PMDB e da FIESP, Funaro e Sayad que, com seus "cruzadeiros" heterodoxos, inauguraram no país a era das trevas dos congelamentos de preços, das desindexações, das "tablitas" e otras cositas más... Isto para não falarmos de Juscelino que, alertado pelo mestre Eugenio Gudin e por Lucas Lopes de que aquela maluquice de "avançar cinqüenta anos em cinco" agredia duas lógicas, a do tempo e a das leis econômicas, trocou-os por José Maria Alckmin, levando a economia a um crescimento que não tinha a menor possibilidade de ser sustentado e que, com a sanção de Jânio e o posterior sindicalismo bagunceiro de Jango, desorganizaram completamente o país. Penso que seria mais do que tempo de aprendermos, se não com os bons livros de Economia, pelo menos com a boa conselheira que sempre foi a História. Se errar é humano e persistir no erro é demonstração de falta de inteligência, insistir na persistência, então, seria o que? Burrice incurável, puro oportunismo político ou ambos os defeitos? Se o pior cego é aquele que não quer ver, o que dizer então daqueles - e daquelas, para sermos "politicamente corretos" - que, além de não desejarem ver, ainda colocam antolhos para potencializar ainda mais sua cegueira voluntária? Ó filhos da Pátria, tão habituados à limitação dos antolhos, quando aprendereis que causa é causa e efeito é efeito? E que focinho de porco não é tomada? Nota do Editor: Ubiratan Jorge Iorio é Doutor em Economia (EPGE/FGV), Vice-Presidente Executivo do Centro Interdisciplinar de Ética e Economia Personalista (Cieep), Diretor da ITC IORIO TREINAMENTO E CONSULTORIA e Professor da UERJ, da FGV, da PUC.
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