Nove horas da manhã, início do horário pré-estabelecido para o cafezinho no trabalho. A antes informal e livre cerimônia da parada para o café e o papo agora estava encarcerada num ângulo reto dos ponteiros do relógio. A cena era mais ou menos assim: cinco pessoas sentadas ao redor de uma mesa, daquelas que possuem um banquinho acoplado, coberta por uma toalha plástica com frutas gigantes desbotadas. Lastimável jeito de gastar a vida esse, vender o dia em troca de um salário. Uns de nós seguravam um copinho plástico com café em uma das mãos, a outra sustentava o queixo, apoiando-se com o cotovelo na mesa. Fla brincava com o açucareiro. Gil tinha os punhos atados com uma algema feita de clips: protesto, dizia. Uns bocejavam, ninguém dizia palavra. Nesta manhã, resolvi substituir o pãozinho por um pacotinho de biscoitos, ou bolachas, como se diz em outros cantos do país. Na hora de abrir o pacote, lá estavam eles, a fitinha vermelha e o abra aqui. Pensei, arrisco a sorte e tento puxar a fitinha, mesmo sabendo que elas nunca funcionam comigo? É assim: ou ela arrebenta-se, ou sai inteirinha na minha mão sem abrir o pacote. Ela arrebentou-se. Pronto, eu e minha timidez, no centro das atenções, lutando para abrir um pacote de rosquinhas rebelde. Brecha para iniciar a conversa. Ei, alguém aí consegue usar essas fitinhas? Todos. Bom, definitivamente o problema deve ser comigo. No meio de um bocejo, Gil disse já parou para pensar? Pensar em quê? Nas fitinhas, já parou para pensar no propósito delas? Acho que abrir os pacotes, quando funcionam. Não, não é isso. Já pensou no sentido oculto delas? Pronto, estava aberta a sessão diária de especulação. Que sentido oculto? Lembra com o que começou essa história de tirinhas? Com os maços de cigarros. Só que com uma diferença: as dos maços de cigarros funcionam. Taí, nunca tinha pensado nisso. Nem eu. Palhaço. Olha, mas analisa a lógica da coisa: quando você abre um pacote de bolachas com a tirinha vermelha, imediatamente isso te remete a um maço de cigarros. E quando elas não funcionam, mais ainda. Você lembra que as dos cigarros sempre funcionam. E isso, aliado ao stress por não conseguir abrir o pacote, o impulsiona a fumar um cigarro. E já pensou que elas sempre são vermelhas? Cocei a cabeça. É, pode fazer algum sentido. Não acho que os fabricantes de biscoitos tenham pensado nisso. Deixa de ser ingênua, olha só, todas as indústrias estão unidas para nos fazer consumir o que quer que seja. Bel aproveita para filosofar: gente, eu acho que o mundo é um caos povoado por conspirações subterrâneas. Já imaginaram se víssemos não somente as coisas como elas são mas também o que elas escondem? Eu não gostaria de ter estampados no rosto todos os meus segredos. Gente, gente, já que o papo tá ficando brabo eu vou me retirar. Ivan, aproveitando o fato de ainda não terem limitado o horário do cigarrinho: alguém aí quer descer para fumar? O grupo dos fumantes abandona a copa. Como não fumo mais, fico com as bolachas. Sorvo o último gole do café, vício funcional. Encerrada, mas não dirimida a questão das fitinhas, deposito a embalagem vazia no lixo. Abandono a copa e o reino das polêmicas para mergulhar no mar em que verdades e mentiras se encontram, mas não se misturam.
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