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Opinião
14/12/2005 - 16h01
Tenham dó da galinha
João Luiz Mauad - MSM
 

A galinha caipira continua a sua epopéia. Contra todos as dificuldades, todos os obstáculos, todos os percalços, ela continua tentando alçar o vôo da redenção. Malgrado as suas asas atrofiadas e o seu fabuloso peso, nossa heroína, como boa brasileira que é, não desiste nunca. Mais uma vez, a coitada foi obrigada a aterrissar prematuramente. Uma aterragem nada tranqüila, por sinal. Esborrachou-se, por assim dizer, a infeliz. O que era previsível afinal, a pobrezinha conseguiu: manter-se no ar muito mais tempo do que seria natural, em vista da sua fisiologia pouco aerodinâmica e do seu péssimo preparo físico.

Pois é, meus amigos, 1,2% de queda foi um resultado que deixou sem palavras até mesmo o fogoso galinho garnisé de crista empinada, fato que levou alguns dos inúmeros asseclas a correr em seu socorro. Uns alegaram o de sempre: a culpa é da maldita taxa de juros do Banco Central, "que só beneficia banqueiros e rentistas". Outros culparam o famigerado superávit primário das contas públicas. Alguns mencionaram a crise política, ainda que esta última não tenha conseguido fazer cócegas nem na taxa de câmbio, nem no mercado de títulos públicos ou de juros futuros. Houve até quem partisse para o radicalismo e chutasse o balde do IBGE, ressuscitando a velha mania esquerdista de culpar o termômetro pela febre alta.

São todas desculpas pra lá de esfarrapadas. Ninguém, fora uns poucos comentaristas, a maioria deles com a pena (teclado?) restrita aos domínios da internet, se lembrou de ulular - com a devida vênia do grande Nelson Rodrigues - o óbvio: que a nossa brava amiguinha não consegue voar justamente porque, ora, pois, ela é só uma galinha e galinhas não voam.

Os únicos acólitos do galo garnisé que opinaram com algum grau de acerto, atiraram no que viram e atingiram o que não viram. Foram os botocudos pichadores do segundo grande vilão do momento (depois de George W. Bush, é claro): o superávit primário. Miraram, como de hábito, no alvo errado: o suposto (aquele que foi sem nunca ter sido) corte de gastos do governo. Acertaram no que não viram, já que esse mesmo superávit foi resultado de mais um arrocho fiscal sobre a produção e o consumo, essa sim uma das razões que explicam porque a nossa valorosa galinha não consegue manter-se no ar. (Quem quiser conferir os números verá que 100% do resultado primário foi feito às custas do aumento da arrecadação, enquanto as despesas só fizeram aumentar).

Já os que insistiram em blasfemar contra a taxa de juros do Banco Central, das duas uma: ou estão muito desinformados, o que é difícil de acreditar, ou são muito hipócritas, pois sabem perfeitamente bem que as razões de fato passam a léguas de distância. Senão, vejamos: nesse nosso galinheiro, só quem paga juros pela taxa SELIC é o próprio governo, já que os apaniguados do sistema - aqueles poucos a quem é dado conhecer o caminho das pedras - só tomam recursos subsidiados, via BNDES - essa copiosa e inesgotável teta, objeto de adoração de todos os galos pseudo-capitalistas. Calculo que a taxa do BNDES esteja hoje perto de 4% (real), o que, convenhamos, para os padrões tupiniquins é um manjar dos deuses. Nesse mesmo diapasão, há algumas poucas grandes companhias que estão captando dinheiro no exterior a juros bem inferiores aos praticadas no mercado daqui. Essas dificilmente terão problemas para financiar seus investimentos, pelo menos enquanto o panorama de liquidez mundial não for alterado.

As demais (a maioria silenciosa das pequenas e médias empresas que não são notícia), todas aquelas pobres coitadas que são obrigadas a socorrerem-se do sistema bancário, brigando diretamente contra um competidor muito mais forte - o governo - por recursos para lá de escassos, estão pagando hoje alguma coisa entre 25% e 60% ao ano, dependendo da situação cadastral. Já os pobres dos consumidores, dentre eles aqueles incautos que costumam pagar os seus juros embutidos em "n" prestações fixas a perder de vista e os corajosos que avançam no cheque especial ou "esquecem" de pagar a fatura do cartão de crédito nas datas próprias, esses pagam juros tão obscenos que nem vale a pena comentar. A verdade, clara e límpida, portanto, é que, para os habitantes do mundo real, mais um ou menos um, mais dois ou menos dois pontos percentuais na taxa SELIC não fazem qualquer diferença. O efeito será o mesmo que colocar algumas gramas a mais de vitaminas na ração da galinácea. Seu vôo continuará intermitente e confuso, com alguns saltos acrobáticos e muitos tombos homéricos (como esse do terceiro trimestre), por maior que seja a sua força de vontade, ou, como costumam dizer por aí, a sua vontade política.

O que a nossa heroína realmente precisa (e disso os especialistas pouco falam) não é de paliativos, mas de uma dieta rigorosa, além de exercícios de musculação vigorosos, que a transformem, senão numa bela águia (sem trocadilho), pelo menos numa ágil gaivota. Não há taxa de juros, por menor que seja, que a faça voar alto enquanto mantiverem essa carga tributária indecente e sem qualquer retorno pesando sobre os seus ombros (asas); enquanto continuarem privando a sua liberdade (econômica) com regulamentações espúrias e sem qualquer sentido; enquanto ela permanecer sufocada por uma burocracia ineficiente e corrupta; enquanto seus pés não forem liberados das amarras (trabalhistas e fiscais); enquanto a justiça do poleiro não se tornar mais ágil; enquanto os seus direitos de propriedade não forem realmente garantidos; enquanto as leis não forem claras e a justiça previsível; enquanto não abrirem as portas do galinheiro para o exterior; enquanto os galos que mandam não se conscientizarem de que a inflação é o pior e o mais cruel de todos os impostos, pois penaliza principalmente as aves mais débeis; enquanto não acabarem com os privilégios de toda sorte; enquanto não se produzir um ambiente propício à livre iniciativa, aos negócios e ao desenvolvimento.

Senhores políticos: chega de hipocrisia, de mentira, de desinformação, de superficialidade, de demagogia, de populismo. Esqueçam os juros! Deixem que o Banco Central faça o trabalho dele em paz. Concentrem os seus esforços nas reformas que realmente interessam, afinal, como bem disse o velho Einstein, loucura é fazer tudo sempre do mesmo jeito e esperar um resultado diferente. E, por favor, não esperem da galinha algo que ela não pode fazer.


Nota do Editor: João Luiz Mauad é empresário e formado em administração de empresas pela FGV/RJ.

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