Há um pecado solto no ar. Uma tristeza e um abandono. Há fome e desengano. Há um menino que chora. Chora de fome. Há uma lágrima a rolar solta pela face daquela criança. Uma lágrima desaba pelo sulco na face da inocente criança. Pela cicatriz um rio se forma, transborda e inunda toda existência. Na boca umedece todos os sonhos. É um sonho sem amanhã, sem face nem rosto. Sem saber, é nosso desgosto. Na noite fria, de janeiro longe de agosto, não há dezembro. Nem outubro ou novembro. Não há Cristo no Natal. Apenas um frenesi de violência sem igual. Há uma navalha que precede a funeral mortalha. A navalha feriu a inocência. Em seu fio aquela criança se equilibrou. Encontrou outra criança, com riso e esperança. Assaltou e matou! Aquela criança matou outra criança. A fome e o abandono mataram duas crianças. Há um assassino solto pelas ruas. Um menino animal. Na esquina vende rosas e no funeral a rosa cobriu um caixão feito ponto final. Uma lágrima rola pela face e mancha de vergonha toda existência. Falta solidariedade! Morreu a inocência! Há um sobrevivente solto pelas ruas. Cresceu e se tornou guerreiro. Por ironia do destino livrou-se da criminalidade. Tornou-se idealista e defensor da humanidade. Sem terra, com enxada, foice e enxadão, armado de sonhos rumou para cidade principal e contra o governo foi protestar. Queria apenas poder plantar! Caminhou por entre cidades, ruas e estradas de ilusão. No pensamento, o solo era batida de coração. Apenas vida, grãos e sementes a brotarem do suado chão! No meio do caminho, por entre meios, ele e seus companheiros descobriram um monte de terras sem plantação. A liberdade beijou a doce fertilidade! Era só plantar, regar e colher! Pura ilusão! Vieram homens armados com trabuco e canhão. Um tiro o acertou no peito. Caiu feito pé de milho seco, meio sem jeito. A terra não era livre. O sonho não era livre. Somente a vingança era livre. Morreu a criança assassina pelas mãos do capanga do coronel. Há ausência de inocência no céu! Há um matador defendendo as terras do velho político. Há um capanga com onze filhos e sete mortos ao léu. Quatro vivos, pedindo esmola e sonhando consumo social. Há uma briga com outro menino rival. Uma navalha corta seu rosto e deixa cicatriz como sulco na face angelical. Há uma navalha a ferir a inocência. Em seu fio aquela criança se equilibrou. Encontrou outra criança, com riso e esperança. Assaltou e matou! Aquela criança matou outra criança. A fome e o abandono mataram duas crianças. Há um assassino solto pelas ruas. Um menino animal. Na esquina vende rosas e no funeral a rosa cobriu um caixão feito ponto final. O caixão que leva todos os encantos. Com missa de sétimo dia e visitação ao mausoléu em aniversário de morte e finados. E no espelho da vida, meu reflexo é somente literário. Somos todos leitores. Espectadores, afinal!
Nota do Editor: Douglas Mondo é advogado, escritor e presidente da Tv Japi Mais.
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