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Opinião
20/12/2005 - 21h06
Luxo em meio à crise
Carlos Tautz
 

A essa altura, pode parecer um luxo recordar que o governo tem mais o que fazer e que não pode continuar apenas assistindo à novela de horrores que jorram das Comissões Parlamentares de Inquérito. Mas, apesar da sucessão de denúncias graves, que exigem muita dedicação para punir quem merece, é urgente lembrar ao presidente Lula que ele precisa voltar exercer aquela obrigação para qual foi eleito: governar.

Dito o óbvio, aqui vai uma sugestão, em especial aos Ministérios de Ciência e Tecnologia (MC&T) e do Meio Ambiente (MMA), responsáveis diretos pelo assunto: já passou da hora de o País ter políticas públicas para enfrentar as mudanças no clima. Se o governo pensa que esse é um problema restrito ao Katrina que arrasou Nova Orleães, o que poderia despertar uma suposição de que nada temos a ver com isso devido à distância, é bom os administradores brasileiros fazerem como orienta uma certa campanha publicitária e reverem seus conceitos.

Afinal em 2004 o Brasil já teve provas de que por aqui também se manifesta, em intensidade e periodicidade ainda pouco claras para os cientistas, as alterações profundas nos padrões de chuvas, de ventos e de outras manifestações do clima. Santa Catarina sofreu os efeitos - mortes, inclusive - do primeiro furacão registrado no sul do País, enquanto no primeiro semestre do ano passado o Brasil verificava quatro fenômenos do tipo de tufões, contra a média histórica de apenas um.

É igualmente importante o papel que a imprensa, e os jornalistas em particular têm nesse tema estratégico para o futuro próximo do planeta. A nós cabe tratar o tema de forma permanente, equilibrada, investigativa para descobrir novos possíveis impactos que já estejam ocorrendo ou que estão prestes a acontecer. Enfim, como em vários outros assuntos, nosso papel de jornalista é ao mesmo tempo político e educativo, no sentido de que temos a responsabilidade colocar o tema em debate público para subsidiar a sociedade em sua cobrança de ação por parte do governo.

Contudo, não é isso que se vê.

Aqui, também no tema das mudanças no clima, somos movidos pela eventualidade do bom e velho fait divers: quando há um desastre, um fenômeno climático severo que altere a "normalidade" das coisas. Só aí acorremos ao assunto. Caso contrário, sempre temos várias outras prioridades que exigem atenção total. No máximo, damos uma nota de pé de página quando um relatório é publicado por alguma revista científica. E só.

Se nada disso acontece, dificilmente a imprensa escarafuncha o assunto para antecipá-lo. Por opção, tem relegado a pauta a espaços secundários e episódicos e termina por negar à sociedade um autêntico direito social, que é o direito a ser equilibradamente informada. E, assim, de omissão em omissão, fechamos os olhos ao problema.

Sequer vemos que nada sistemático e duradouro tem sido feito pelo governo e pela sociedade para adequar o País a essa nova conjuntura ambiental. Mais cedo ou mais tarde ela afetará o planeta inteiro, em escala e forma específica em cada país, mas com resultados equivalentes ao grau e ao tipo de ações preventivas que forem adotadas. Ainda existe muita incerteza sobre os impactos prováveis de mudanças no clima, porém já se pode esperar fenômenos climáticos intensos e severos e não necessariamente em escala crescente de impactos. Mesmo sem querer provocar pânico, os cientistas vêm alertando para a necessidade de preventivas para enfrentar fenômenos intensos, que podem acontecer a qualquer momento.

Há também uma outra dimensão a ser observada. Essa nova realidade climática de início de século 21 exige que o Brasil defina maneiras de lidar com as catástrofes ecológicas, que sempre atingirão com mais intensidade os pobres - e pobre, regra geral, tem a cor da pela preta. Ou seja: fazer política pública para enfrentar as mudanças no clima, possibilitando ao mesmo tempo o desenvolvimento econômico e social do País, também significa fazer justiça social e distribuir as benesses do crescimento para excluídos históricos, que precisam delas tanto mais quanto mais se modificam e agravam condições climáticas inusitadas e de gravidade crescente. É preciso, portanto, justiça ambiental.

Até aqui, entretanto, a dedicação aos mais vulneráveis não é o que tem acontecido. Apesar de a colaboração do Brasil ter sido sempre relevante nas discussões que levaram ao Protocolo de Quioto, esse comportamento ativo, no exterior, da diplomacia e da ciência brasileiras ainda não se transformou em ações concretas no território nacional, onde vivem as pessoas de carne, osso e - é bom sempre repetir - muitas vezes de cor preta na pele.

Aliás, também no assunto clima revela-se a profunda injustiça e concentração de renda, poder e conhecimento que caracterizam o Brasil de todas as contradições. Produzimos técnicos capazes de elaborar instrumentos refinados, como os do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (o MDL, a principal medida anti-poluição no âmbito do Protocolo), mas não temos vigor democrático suficiente para fazê-los beneficiar quem deles mais precisa.

O MC&T monopoliza no governo o trato das poucas iniciativas para o clima, mas se mantém isolado da sociedade, que termina por se beneficiar pouco da excelência dos especialistas nacionais. Por sua vez, o MMA, que deveria co-liderar a proposição de alternativas públicas, é, nessa questão do clima, a fiel reprodução do desempenho de sua titular, Marina Silva, que desde o início da gestão Lula tem colocado uma inexplicável timidez e seu prestígio pessoal a serviço de um governo que reverteu todas as expectativas positivas que os ambientalistas nele depositavam.

A vida de verdade, entretanto, vai seguindo, sem que a imprensa perceba ou queira perceber, e as contribuições negativas do Brasil para as alterações no comportamento do clima, também. A velocidade no desmatamento nas queimadas, principal fonte brasileira produtora dos gases causadores das mudanças, só diminuiu recentemente devido à queda do preço das mercadorias agrícolas nos mercados internacionais, o que deixou de pressionar a derrubada de florestas para dar lugar a novas áreas de plantio. Medidas governamentais contribuíram muito menos para a relativa boa notícia dos índices inferiores de desmatamento - e é justamente essa impressão de que estamos aos Deus dará é que preocupa.


Nota do Editor: Carlos Tautz é jornalista.

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