Deus é o mais graúdo de todos os graúdos. Deus está aí para defender os graúdos, não os miúdos. A pelegona brasileira anunciou o novo presidente da Bolívia como o maior produtor de coca do país. Poderíamos perguntar o que entra nos bolsos da pelegona sempre que classifica assim os possíveis ou reais inimigos do Rei George. Mas nem preciso parlar sobre isso. Semanas atrás, um certo braço impresso da pelegona mostrou Hugo Chaves na capa, com um título que deve ter causado orgasmos múltiplos nos amigos do Rei George destes trópicos: “Quem precisa de mais um Fidel Castro?”. A imagem do presidente venezuelano, acrescida de 70% de magenta para parecer mais vermelho, mais louco e mais furioso, lembrou-me de quando meu sogro publicava imagens de seus inimigos políticos num jornal de Guarapuava, interior do Paraná. Escolhia-se a dedo a foto mais sórdida, na posição mais ridícula, a careta mais feia, prova concreta de que o sujeito era um caco, e era. A diferença entre meu sogro e a pelegona é que ele denunciava os bandidos do Centro-Oeste paranaense, não os representantes legítimos dos países andinos. A maldade da manchete sobre o novo presidente da Bolívia é uma afronta, uma sordidez execrável. Todos os editores da pelegona, seja ela impressa, televisiva ou radiofônica, sabem que os indígenas da região da Bolívia trabalham há séculos, senão há milênios, com o cultivo da coca. Eles sabem, os podres, que os grandes exploradores da cocaína – aquele pó venerado, cheirado e injetado por uma certa classe nobre e educada para manter o pique no pico sem meter a pica na bica – têm queixos quadrados, narizes afilados, faces européias, nada parecido com uma rústica feição indígena. Os milionários da Bolívia não são descendentes de indígenas, mas o maior produto de exportação do país não é a cocaína?! What? Why? Who? Os caminhos do dinheiro são tortuosos, sua fisiologia pertence ao mundo dos ilusionistas. Houdini e Mandrake desperdiçaram muito dinheiro criando espetáculos e correndo atrás de ladrões, respectivamente. Teriam ficado milionários trabalhando para o governo dos Estados Unidos. Um certo amigo radical dizia-me que o dinheiro de todos os milionários escoa das mãos de um punhado de sofredores. Em outras palavras, o dinheiro dessa gente chique e bem-educada não se cria do nada, sai de algum lugar, e o lugar é a força do trabalho dos sofredores. Se os milionários da Bolívia alcançaram essa condição num país impregnado de cocaína, a pelegona internacional deveria investigar a fisiologia do mercado local antes de classificar este ou aquele “cocaleiro”.
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