Fui ao supermercado e me senti nos países andinos, pastoreando lhamas, agasalhada por ponchos de lã, e com a cabeça toda enrolada em tiras de tecidos torcidos, apesar do calor de quase quarenta graus que fazia no momento. É estranho essa coisa de globalização. Quando surge uma vaga, é preenchida rapidamente sem nenhum critério do impacto que isso pode causar. Aquela velha história em que em terra de cego que tem um olho é rei. Mundo dos negócios coisa e tal. Espírito cigano, de correr atrás da sobrevivência onde quer que ela esteja. Assim vai difundindo sua cultura, como um pássaro que semeia as sementes pela floresta. Mais à frente, meus olhos colaram na vitrine de uma loja vip, lá estava exposto o mais rico artesanato nortista e nordestino. Olha que já vi coisa melhor sendo feita aqui, por mãos caiçaras. Mais adiante, fervilhava a feirinha. Tinha até o cheiro da 25 de Março em São Paulo. Tinha até o sotaque de não ennntennndo! Credo! Será que aqui não era aqui? Ou será que lá que veio pra cá? O bom da tal globalização é que a gente não precisa viajar para mudar de ritmo. Talvez só mudem as paisagens. Como é chato. Não tem novidade . Não tem diversificação. Voltando à música andina. Das "flautinhas" de bambu, patrocinada pelo comércio local para atrair seus clientes através de atos culturais, eu não critico. Se eu fosse um comerciante e quisesse contratar um grupo local para tocar de fronte meu estabelecimento não ia encontrar mesmo. Não que os locais não saibam negociar ou tenham preguiça de ficar tocando o dia todo, mas não há um apoio dos dirigentes de compilar, estruturar, fomentar a produção de tais grupos para disponibilizar no mercado. Repertório musical temos para dar e vender. Mas quem se preocupa em resgatar isso? Fica tudo a la vonté de vampiros culturais que por aqui dão rabanadas atrás de material para uma nova tese universitária. Fazem laboratório aqui e carpem fora. Deixando aqui somente suas teorias do se achando, e os filhos dos caiçaras acham que é mais bonito, e mais certo, e já começam a se achar também. Esquecendo assim seus ensinamentos caseiros. Virando marionetes do descaso. Não percebem que eles são a diferença. Seus conhecimentos são a diferença. A diferença de Ter o que ensinar, e não se deixar ser ensinado. Porque quem para cá vem, está em busca de aprender e não de ensinar, ensinar foi coisa pra Jesuíta! Quando sentiram que ia falhar, mataram todo mundo, e trouxeram os que já estavam ensinados por eles. Acho que isso mais uma vez está acontencendo, só que paulatinamente. Fica mais fácil implantar um jeito novo de viver, do que recuperar meia dúzia de tradição que ainda se arrasta através de alguns remanescentes. É menos mão de obra. Se coisa velha não tivesse valor, não existiriam antiquários, já dizia uma pessoa que conheci, não me lembro bem seu nome. Quem já ouviu as cantigas de roda, a moda do chiba, de ciranda, de tontinha, de canoa, de anu, divino, folia de reis, levanta a mão? Ninguém. Que pena! Então passa lá na feirinha ripi e vai aprendendo o leritimo sotaque paraguaio e depois com o seu portunhol em dia, vai ouvir e curtir música andina, não tardará, tudo isso vai fazer parte de nosso calendário turístico. Caiçara que é bão, só lá no sertão.
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