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Opinião
30/12/2005 - 19h18
Cinema novo-rico comunista
Ipojuca Pontes - MSM
 

O Cinema Novo brasileiro nasceu comunista. Seus principais mentores, com os quais convivi certa fase da minha vida, durante os anos em que atuei na atividade, foram: 1) Paulo Emilio Salles Gomes, paulista, ensaísta, crítico e curador da Cinemateca Brasileira; 2) Alex Viany, codinome de Almiro Fialho, crítico de cinema e cronista panfletário de jornais e revistas cariocas; 3) Walter Silveira, crítico e advogado sindicalista, atuante na Bahia; e, 4) Nelson Pereira dos Santos, guia prático e teórico do movimento, nascido em São Paulo, mas estabelecido no Rio, figura de quem sempre mantive calculada distância, talvez por espírito de renúncia.

Grosso modo, o que unia todos esses personagens, além do interesse pelo cinema, era a crença irracional na visão dialética da história, mais marxista do que propriamente hegeliana; uma profunda confiança, às vezes tocada por certo fanatismo, na mitológica Revolução Soviética de outubro; e, last but not least, um anti-americanismo sistemático, seguramente ordenado pelos relatórios do Kominform de Andrei Jdanov, antes e depois da Guerra Fria, ainda que os mentores acima apontados passassem a manifestar após o "degelo" kruscheviano uma estratégica aversão ao stalinismo e à ortodoxia dos PCs - brasileiro ou moscovita.

Paulo Emilio - que, segundo Oswald de Andrade ("Ponta de Lança", Civilização Brasileira, 1972, pág. 45), compunha com Décio de Almeida Prado e Antonio Cândido, o trio dos "Chato-boys" -, escritor sutil, o mais aparelhado intelectualmente, era um trotskista que acreditava com veneração em "Outubro", de Eisenstein, o atraente, porém mentiroso filme feito para comemorar os 10 anos da insurreição bolchevique, mistura de propaganda pomposa com distorção deliberada dos fatos. Sendo um "internacionalista", sequioso por inocular no espírito dos inocentes as sementes do comunismo, Paulo Emilio, o aristocrático professor da Eca (USP), nunca cuidou de enxergar no parceiro de Lênin, o que ele de fato era: um ativista do terror sanguinário, a serviço de uma causa fraudulenta e genocida.

Alex Viany, cultor do "realismo socialista" e o promotor carioca do cinemanovismo, na prática não ultrapassou os limites da militância "linha justa" (sectária) do PC, a repassar os ditames do Kominform, que via o cinema como instrumento de conscientização política e ideológica para fins revolucionários. Seu objetivo crítico, segundo deu a entender certa vez, era "destruir Hollywood" - um projeto, admitamos, impraticável. A convivência com o Alex Viany dos últimos tempos não era fácil: primeiro, porque falava aos tropeções, pronunciando com voz de trovão sentenças incompreensíveis; segundo, porque não perdoava a si próprio pelos filmes desastrosos que cometeu; terceiro, porque, sendo um estatizante, não suportava mais o cinema patrocinado pela Embrafilme - exatamente o produzido pelas suas rebeladas criaturas.

Walter da Silveira, "quadro" do Partidão e amigo de Jorge Amado, era uma estranha fusão, em circuito baiano, do paulista Paulo Emilio e o carioca Alex Viany, responsável direto pela "primeira formação" de Glauber Rocha, o revolucionário cineasta "tricontinental", vanguarda do "agit prop" cinemanovista e articulador infatigável que conduzia o movimento debaixo das axilas. Silveira, o Walter, escrevia, discursava, promovia reuniões e fundava cineclubes - tudo alinhado à crença de que a história da humanidade se movia pela luta de classe, depreendendo-se daí que, para transformá-la, se fazia necessário liquidar o capitalismo.

Nelson Pereira dos Santos, repassador na área do cinema dos ensinamentos do Kominform intermediados pelo Partidão nos anos 49/50, o "Japonês" (como é tratado pelos acólitos) já se auto-definiu como preguiçoso e "bom vivant", mas é o sujeito que associou a teoria à prática e mobiliza dia e noite o projeto do cinema estatal. Segundo Rocha, Pereira, curtidor de "Alexandre Nevski" (outra obra histórica da propaganda stalinista), foi mestre do engenho e da arte dos cineastas do grupo. Caminhando pros 80 anos, vai entrar na Academia Brasileira de Letras, que bem o merece, sem escrever livro. E, embora se imagine um democrata, ao que tudo indica continua confiando, como nos tempos de Djanov, na luta de classe, no marxismo-leninismo e na batalha sem quartel contra o cinema do "imperialismo ianque".

Na teologia marxista, como já foi dito, o militante frente à História tem a sagrada obrigação de servir à evolução dialética, sem olhar os meios, subordinando estes aos fins revolucionários. Vale tudo: não existe nada moral nem imoral, até mesmo pisar o pescoço da mãe. De fato, para o verdadeiro marxista não existe distinção entre os fins e os meios, ou melhor, só existem meios que são úteis ou não à causa revolucionária - cuja medida é a balança elástica e absurda do materialismo dialético.

Talvez esta compreensão da dialética explique o porque do Cinema Novo, querendo fazer a revolução, terminar fazendo um pacto com os militares golpistas de 64 e, segundo todas as evidências, se "aburguesado". Pois seu ideário hoje, ainda que mantido sob o manto da defesa da "identidade nacional", é fazer filmes de milhões de dólares sacados do suor dos trabalhadores, numa proposta, na prática, sempre coerente com os princípios de todas as revoluções igualitaristas, que é a de explorar as massas ignaras tendo como pretexto o desejo utópico de emancipá-las.

Só no inferno.


Nota do Editor: Ipojuca Pontes é cineasta, jornalista, escritor e ex-Secretário Nacional da Cultura.

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