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Opinião
02/01/2006 - 06h12
A imprensa e os marginais
Mauro Santayana - Agência Carta Maior
 

"Os jornalistas hoje têm muito mais estudo. Sua educação é melhor, freqüentam as melhores faculdades. Isso os fez ficar mais parecidos com as pessoas que estão no poder. Quando eu era jovem, era diferente. Todas as pessoas com as quais eu trabalhei quando comecei no "New York Times" eram das camadas mais baixas. Não vínhamos de escolas de elite, éramos "outsiders", víamos o mundo com ceticismo."

Transcrevo a parte final da entrevista do jornalista Gay Talese, que se orgulha de continuar "outsider", a Marcelo Ninio, da Folha de S. Paulo (segunda, 26). Ao fazer essa transcrição, posso dizer com tranqüilidade que assino embaixo. Essa tem sido a minha opinião de sempre, e eu a defendi de forma muito clara, quando - contrariando as entidades sindicais da categoria - me opus à exigência de diploma universitário de jornalista para o exercício profissional. Embora pertença à mesma geração de Talese, não freqüentei escolas, nas quais me iniciasse no jornalismo estudantil, como foi o seu caso. Fui direto da vida para o jornal, quando ainda não havia chegado aos 20 anos. Tanto como lá, ou talvez mais do que lá naquele tempo, poucos eram os jornalistas com diploma universitário; normalmente os diplomados eram bacharéis que preferiam o jornalismo à advocacia. Havia, ainda, estudantes de direito, de origem modesta, que faziam "bico" nos jornais, a fim de engordar a parca mesada recebida da família. Vir de baixo nos conferia a vantagem de ter uma visão vertical do mundo, ao contrário dos procedentes da alta classe média ou das elites, que só tinham (e só têm, hoje) uma experiência de vida bem diferente, circunscrita ao seu meio. Éramos céticos todos os jornalistas honrados. Eram também céticos aqueles que, embora vindo da classe operária, desonravam a profissão, como achacadores ou embutidos. Aquele tempo não era um tempo de santos, nem de ingênuos.

Temos que ver o nosso ofício com menos presunção e mais modéstia do que aquela que Keynes aconselhava aos economistas, que, a seu ver, deviam igualar-se aos dentistas. Sou mais radical, porque os dentistas não só normalmente ganham mais, mas também devem ter aquela precisão técnica da qual prescindimos. Nosso ofício devia ser apenas ético, e não técnico, e nada melhor do que o ceticismo para servir de base a uma conduta independente. Independente, e não imparcial. O jornalista não é, por outro lado, emasculado político. No Brasil de antes de 1964 quase todos os jornais eram partidários, quando não eram venais. Seria melhor se fossem independentes, mas, pelo menos, sendo partidários, permitiam aos profissionais mais destacados trabalhar naqueles mais próximos de sua posição ideológica ou política, ou de sua própria venalidade.

Ao se tornar jornalista, o indivíduo não faz voto de castidade política, não renuncia ao mundo. Ao contrário. Mas há - e isso é importante lembrar - o compromisso com os fatos. O jornalista pode até mesmo defender um criminoso, se a sua consciência o leva a isso, mas não pode falsear as informações sobre o crime cometido. E os jornalistas de opinião, qualquer seja ela, devem ter toda a liberdade, sem falsear os fatos, a fim de que os leitores possam pesar os argumentos de uns e de outros, de direita e de esquerda, do governo e da oposição, antes de escolher seu caminho.

As relações entre o jornalismo e o poder são difíceis. Os jornalistas conscientes de sua condição sabem que, salvo os poucos casos excepcionais de afinidade intelectual e ideológica, sem falar na amizade espontânea que surge no convívio profissional, os poderosos de um modo geral não nos estimam. Procuram sempre usar os jornalistas para os seus objetivos, como diz Talese em seu depoimento. Quando muito têm algum respeito pelos jornalistas independentes.

O jornalista norte-americano tem sido um crítico veemente do "establishment" de seu país, como reitera nessa entrevista, ao desmascarar o governo Bush e mostrar que só os pobres estão combatendo e morrendo no Iraque. Lembra que, até a guerra do Vietnã, os filhos da elite combatiam e morriam nas Forças Armadas, porque o alistamento era compulsório. Com o alistamento voluntário, são os pobres, geralmente os negros e imigrantes miseráveis que vão para o front. É uma forma de sobrevivência, quando há a sorte da sobrevivência. Sendo assim, a sociedade norte-americana não está sendo atingida pela guerra, o que facilita a manipulação e o cerceamento da opinião pública por parte do governo. E mesmo os democratas se sentem intimidados, como ocorre a Hilary Clinton, que teme ser considerada antipatriótica e não critica o governo. No jornalismo ocorre o mesmo. Na sua opinião, a imprensa norte-americana se encontra em profunda crise.

Mas seria injusto considerar essa crise dos meios de comunicação como isolada da crise geral da sociedade moderna, que o neoliberalismo tornou ainda mais injusta, brutal, mentirosa, anti-humana. O jornalismo está em crise como se encontram em crise todas as instituições com as quais ele se relaciona, como "meio" entre os poderosos e os oprimidos, os ricos e os pobres, o governo e os cidadãos. Isso ocorre nos Estados Unidos, na Europa, no Brasil, enfim, em qualquer lugar do mundo onde a imprensa é aparentemente separada do Estado, mas dependente, de uma forma ou de outra, dos poderes de fato, que têm ditado o "pensamento único" dos anos 90, exacerbado em 11 de Setembro.

Talese compara a situação da imprensa em seu país ao totalitarismo católico medieval, quando os opositores da Igreja eram demônios infiéis. "Era o bem contra o mal, exatamente como temos hoje nos Estados Unidos, com mocinhos e bandidos". Contra essa situação há quem resista, seja como donos de jornais, seja como jornalistas - e é nessa resistência que se encontra a esperança de que possamos recuperar a plena capacidade de julgar e a liberdade de escolha dos sistemas democráticos.


Nota do Editor: Mauro Santayana é colunista político do Jornal do Brasil, diário de que foi correspondente na Europa (1968 a 1973). Foi redator-secretário da Ultima Hora (1959), e trabalhou nos principais jornais brasileiros, entre eles, a Folha de S. Paulo (1976-82), de que foi colunista político e correspondente na Península Ibérica e na África do Norte.

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