A recente morte de Maneco Müller, o outrora famoso Jacinto de Thormes, teria sido uma boa ocasião para relembrarmos Miguel Gustavo, o genial compositor e jinglista que fez o igualmente genial "Café Society", samba que satirizava os colunistas e os colunáveis dos anos cinqüenta. Mas num país absolutamente sem memória, seria esperar demais. Para quem não conhece o samba, aqui vai uma amostra: "Doutor em anedota e de champanhota / estou acontecendo no café society / só digo "enchantée", muito "merci", "all right" / troquei a luz do dia pela luz da Light... / Enquanto a plebe rude, na cidade dorme / eu ando com Jacinto que é também de Thormes / Terezas e Dolores falam bem de mim / Eu sou até citado na coluna do Ibrahim... / E quando alguém pergunta como é que pode / "papai" de black-tie jantando com Didu / eu peço outro whisky, embora esteja "pronto"... / Como é que pode? Depois eu conto". Miguel Gustavo, que ficou famoso pela criação do hino da Copa de 70, ainda hoje tema musical da Rede Globo para os jogos da seleção ("90 milhões em ação / Pra frente, Brasil, do meu coração / Todos juntos, vamos / Pra frente, Brasil, salve a Seleção!"), foi também (ou principalmente) um dos muitos gênios da nossa MPB, tendo criado diversos sambas e canções de excepcional valor musical, muitos deles grandes sucessos, como o ainda hoje famoso "E daí?" ("Proibiram que eu te visse / Proibiram que eu te amasse / Proibiram que eu saísse ou perguntasse a alguém por ti... Proíbam muito mais / Preguem avisos / Fechem portas / Ponham guisos / Nosso amor perguntará: e daí, e daí? / Daí por mais cruel perseguição / Eu continuo a te adorar / Ninguém pode parar meu coração".). Como jinglista, na minha opinião, Miguel Gustavo criou o melhor jingle brasileiro de todos os tempos, o do lançamento do Leite Glória, o primeiro leite instantâneo, que maldosamente classificaram de "o maior sucesso de Lúcio Alves", um dos nossos cantores-ícones da MPB, em um trabalho que teve também a participação valiosa de Caio Aurélio Domingues. Querem mais? Pois aí vai. Nos anos sessenta, quando a televisão nem sonhava com transmissões em cores e network, saindo freqüentemente do ar, era comum os canais colocarem no vídeo um slide que dizia alguma coisa do tipo "estamos com problema na nossa transmissão, por favor aguarde". Pois bem, o que fez o Miguel para a TV Excelsior? Bolou uma espécie de jingle, já que o som não sofria problemas de interferência, cuja letra dizia: "Não desligue, não / o defeito é nosso / Tô fazendo o que posso / Pra consertar a televisão". É ou não é coisa de gênio? Também para a TV Excelsior, o Miguel fez um hino de encerramento das transmissões, o que ocorria aí por volta da 1 da manhã, num estilo meio ufanista, mas que dava o recado direitinho. Iniciativas que logo foram copiadas por outros canais, o que só aumenta o mérito das suas criações. Entre as poucas coisas que lamento em minha carreira de criador publicitário está o fato de ter trabalhado pouco com Miguel Gustavo na elaboração de jingles, provavelmente por ele morar no Rio e eu em São Paulo. Mesmo assim chegamos a fazer "parceria" no jingle de lançamento do desodorante Avanço e na criação do jingle de lançamento de um produto para mingau da Samrig, a Sanbra do Rio Grande do Sul, chamado Bebê-Sol, cuja apresentação de campanha foi em São Paulo, na solene sala de reuniões da Sanbra, em que a agência (a MPM de saudosa memória, que nada tem a ver com a agência que hoje detém a marca) apresentou o planejamento, os story-boards, os layouts e, por último, o jingle, cantado pelo próprio Miguel enquanto batucava uma caixinha de fósforos... Como é que pode? Depois eu conto! Nota do Editor: Juvenal Azevedo é jornalista e assessor de imprensa.
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