Que notícia é um produto à venda, a professora Cremilda Medina já havia deixado claro em seu livro homônimo, há mais de vinte anos. Mas o que não dá pra engolir é produto com defeito de fabricação, vendido como se fosse de primeira qualidade. A entrevista de Pedro Bial com o presidente Lula, exibida no programa Fantástico do dia 1º de janeiro, durante 37 minutos o presidente mais se esquivou do que respondeu diretamente às perguntas feitas por Bial. O ponto alto dessa "mercadoria" com defeito foi quando Bial perguntou se o PT não havia errado e Lula respondeu que o partido tem cerca de um milhão de filiados e não é justo punir a todos pelo erro de uma meia dúzia. Ora, esta foi a fala que mais zombou da inteligência do telespectador. Para o presidente da República, o mais humilde e idealista dos filiados, sem direito a voz e voto na cúpula da legenda, tem o mesmo peso de seus amigos da executiva nacional que assombraram o país com o festival de corrupção explícita. Resposta essa aceita placidamente por Bial, que teve o privilégio de representar o povo brasileiro, ávido por explicações sérias e convincentes por parte do presidente da República, eleito sob a égide da esperança de um Brasil livre de corrupção. Ao menos, era isso que seu marqueteiro, Duda Mendonça, que confessou ter recebido por fora para elegê-lo, dizia; "a esperança venceu o medo". Hoje, os ex-esperançosos sentem-se como numa horda de asnos, manipulados por espertalhões, já que não têm direito ao acesso a respostas simples e diretas por parte do presidente. Bial por sua vez, quando escreveu a biografia de Roberto Marinho, já havia deixado tênue a fronteira entre ficção e realidade, uma vez que seu livro mais parece o início de um processo de beatificação do empresário. O que a sociedade civil organizada e instituições como o Ministério Público têm de deixar claro é que a televisão brasileira é uma concessão do Estado para servir à sociedade e não somente para tornar milionários seus concessionários, que a utilizam, sistematicamente, como máquina político-eleitoral para perpetuação no poder. Digo isso porque pesquisas revelam que a esmagadora maioria da população se informa através da televisão. Assim, ao assistir a uma entrevista pífia, o telespectador estará consumindo produto noticioso sem qualidade, imparcialidade e o respeito que o consumidor merece. Já que, até o momento, não é comum reclamar ao Procon sobre notícias estragadas. Ao término da conversa fiada de Lula com Bial, fiquei pensando como devem ter sido os preparativos da entrevista. E me veio à lembrança o episódio protagonizado por outro jornalista global, Carlos Monfort com o então ministro Rubens Ricupero, no qual o principal atrativo foi o off, a conversa que antecedeu a entrevista oficial, ocasião em que Ricupero alegou não ter escrúpulos, e por conta disso acabou perdendo o ministério. Caso houvesse premiação jornalística para "offs", Monfort deveria ter ganhado o "prêmio essoff", pois nunca uma conversa informal teve tamanho efeito devastador. Desta forma, como fomos privados da conversa que antecedeu a entrevista do presidente Lula a Pedro Bial, coube a todos as migalhas da entrevista oficial. E, parafraseando Ben Bagdikian, em sua obra "Máquinas de Informar", "a eletrônica não tem moral. Tanto serve a homens livres quanto a ditadores". Portanto, ou o Brasil brada contra este conluio que visa à narcotização de todos, ou estaremos ainda mais à mercê de interesses nada éticos dos mandarins da televisão brasileira. Nota do Editor: Sérgio Luís Domingues é jornalista, consultor de Marketing e Comunicação e professor de Marketing.
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