Reinaldo Azevedo - na minha humilde e sincera opinião um dos melhores cronistas brasileiros da atualidade, herdeiro do estilo, da verve e da grande erudição do genial Nelson Rodrigues - publicou terça-feira última no Primeira Leitura, um extenso artigo com o mesmo título acima, em que defende a candidatura de José Serra à Presidência da República pelo PSDB. O grande jornalista e intelectual nos diz que o essencial é não deixar Lula ser reeleito. No seu entendimento, as reiteradas promessas de Serra durante a última campanha eleitoral, segundo as quais permaneceria no cargo até o fim do mandato, não deveriam causar-lhe maiores constrangimentos, uma vez que elas foram uma "resposta" necessária à campanha publicitária do PT "que tinha como objetivo garantir mais um ano e três meses de mandato" para Dona Marta. Considera "ridículo" e "mesquinho" o debate sobre a conveniência ética de uma eventual renúncia do alcaide para concorrer à Presidência. Ainda que não goste de passarinhos, o jornalista mandou os "escrúpulos às favas" (desculpem, não resisti ao trocadilho) e defendeu a sua tese com a mesma ênfase de quem acredita que os fins justificam todos os meios - o que não é, estou certo, o seu caso. Não satisfeito, foi além. Jogou no centro do debate um caso análogo, ocorrido com Pallocci na Prefeitura de Ribeirão Preto, dizendo tratar-se de "cobrança ética seletiva" o fato de se estar exigindo uma postura de Serra que não se cobrou, outrora, do atual Ministro da Fazenda. Posso ter interpretado mal - espero que sim - mas esse argumento pareceu-me tão inconsistente quanto aquele do Presidente Lula, segundo quem os casos de corrupção que abundam no governo e no PT seriam, apenas e tão somente, uma repetição do que "sempre existiu nesse país". De acordo com o raciocínio, José Serra, caso leve adiante a sua candidatura, também não estará "praticando nada que já não tivesse sido feito muitas vezes". Acho que não se pode transigir com a ética e sei que o Reinaldo concorda comigo, pois conheço a sua postura contrária ao "relativismo moral" reinante por essas bandas. Há momentos em que os Homens têm que fazer escolhas, cujas conseqüências são definitivas. O prefeito teve que fazer uma dessas escolhas um ano atrás e não pode agora simplesmente fingir que não a fez, sob pena de jogar a própria honra, a palavra empenhada, na lata do lixo. Se quiserem, podem incluir-me no rol dos "patrulheiros do moralismo". Não ligo a mínima! Já sou chamado de reacionário raivoso, de fascista etc. Mais uma dessas alcunhas não fará qualquer diferença. O outro tema tratado no texto foi o econômico. Nesse aspecto, nossas opiniões convergem quando ele diz que estamos precisando de um "choque de capitalismo". Meu desacordo é quanto à pessoa certa para colocar em prática esse choque. Reinaldo acha que é o Serra, eu penso que não seria nenhum dos dois. Entretanto, encarando a questão de forma pragmática, já que eles são até o momento as melhores, senão as únicas, alternativas da oposição, minha escolha seria Alckmin. Explico: Um verdadeiro e efetivo choque de capitalismo pressupõe, por parte dos governos, a defesa intransigente do direito de propriedade. Direito substantivo, sem adjetivações. Propriedade plena, que não esteja sujeita nem vinculada a nada; nem a esdrúxulas "funções sociais"; nem à saúde pública; nem ao sei lá o quê público. E, nesse aspecto, tenho sérias restrições ao passado de José Serra como Ministro de Estado. Sua passagem pelo Ministério da Saúde mostrou que ele não tem muito apreço por esse princípio consagrado do capitalismo. "Sua" lei dos genéricos e a possibilidade de quebra de patentes foram decisões eminentemente populistas e anti-capitalistas que podem ter trazido algum benefício imediato, mas são extremamente danosas a longo prazo. Há quem tenha gostado e as defenda - é direito de cada um - mas elas não condizem com a proposta de um choque de capitalismo. Ou é uma coisa ou outra. Além disso, Serra é, ao contrário do que diz o preclaro jornalista, intervencionista, sim. Sua gestão no MS teve até controles de preços. Mais intervencionismo que isso, só se tivesse "nacionalizado" (para usar o termo tão em voga nas repúblicas bolivarianas) laboratórios e farmácias. Desconfio também de uma veia autoritária, mas isso é apenas intuição, sem qualquer comprovação empírica. Por tudo isso, entre os dois eu fico com o Alckmin. Até porque, nesse momento, tanto quanto um bom gerente, que coloque a máquina do governo para funcionar, precisamos de alguém que alivie um pouco esse peso absurdo do Estado sobre os nossos ombros e trabalhe politicamente e com coragem para fazer as reformas possíveis. (Digo possíveis porque não vejo como se possa realizar todas as reformas de que precisamos para colocar o país nos trilhos: previdenciária, trabalhista, tributária, fiscal etc., sem uma nova constituição. Enquanto essa que temos aí continuar pairando acima das nossas cabeças, garantindo direitos, privilégios e benefícios pétreos, nenhuma reforma estrutural será possível, independentemente das melhores intenções de quem quer que seja, mas somente retalhos circunstanciais). Pelo menos, o insípido governador (sorvete de chuchu, não é assim que o chamam?) tem a favor de si o fato de ter sido, quiçá, o único governante brasileiro, em todos os tempos (olha o Apedeuta fazendo escola), que teve a coragem, a suprema "petulância" de baixar impostos. E fê-lo sem que a arrecadação fosse prejudicada. Além disso, tenho a impressão que a própria personalidade contida, meio tímida, meio sem jeito, do governador, seria uma garantia contra esses arroubos de messianismo, tão comuns nessas terras latino-americanas. De acordo com o que eu pude deduzir das suas últimas entrevistas, o "homem da Opus Dei" - a esquerda jamais o perdoará por ser católico praticante - não tem maiores pretensões administrativas do que gastar o dinheiro público com eficiência e parcimônia. Sabe que é preciso privatizar, não apenas empresas, como serviços. Entende que o crescimento do país depende muito mais dos indivíduos, da iniciativa privada, do que de ações populistas e dos investimentos faraônicos do Estado. Estará contente se conseguir colocar para funcionar minimamente a saúde, a segurança pública, a infra-estrutura e a educação. Não se vê como um Salvador da Pátria. Pensa seriamente em desregulamentação, desburocratização, simplificação tributária e tem consciência de que a taxa de juros é conseqüência, não a causa dos nossos problemas econômicos. Enfim, fico com Alckmin, pensando mais nos defeitos que ele não tem do que propriamente nas virtudes que ele possa ter. Nota do Editor: João Luiz Mauad é empresário e formado em administração de empresas pela FGV/RJ.
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