Quando a atriz Regina Duarte foi politicamente incorreta dizendo: "Lula me dá medo" e, com isto, angariou a ira desatada da impensante e festiva classe artística, certamente o medo que ela tinha era o mesmo que tinha todo brasileiro bem informado e responsável de o que poderia fazer Lula "nu Puder"?! E ainda que ele tenha escrito aquela Carta aos Brasileiros, uma declaração de intenções com vistas a afastar qualquer temor de desatinos na macroeconomia e reduzir o risco-Brasil, conseguiu produzir três reações bastante diferentes. Aqueles que sempre detestaram as idéias de Lulla e do PT - como é o caso deste autor que cá está a escrever - pensaram logo que aquilo era parte da estratégia eleitoreira maquinada por Duda Mendonça. No que subisse a rampa do Alvorada e recebesse a faixa presidencial, Lula-lá não faria nada daquilo. Colocaria como ministro da fazenda um fóssil cepalino como Maria da Conceição Tavares, Carlos Lessa ou capalinos mais jovens como Mercadante e Manteiga. E o que faria um fiel adepto da CEPAL? Que faria ele? Ah! Isto não era e não é difícil de prever: controlaria o câmbio deste ou daquele modo, romperia com o FMI, daria um calote na dívida externa, gastaria mais do que arrecadasse, pois desenvolvimento só se faz com muita inflação (segundo a teoria cepalina da qual Celso Furtado foi um dos pais) e, como era de esperar, reestatizaria as poucas estatais já privatizadas, usw. Aqueles que não tinham uma insuperável dificuldade em engolir um sapo barbudo, espíritos crédulos, generosos e propensos a achar que Lula - apesar de um pouco rústico e despreparado - era um filho do povo, franco, sincero e incapaz de iludir alguém, decidiram acreditar que ele faria mesmo tudo aquilo dizia na Carta, que ele não daria um calote na dívida externa, não reestatizaria as estatais privatizadas por FHC, que reduziria a carga tributária etc. Finalmente, aqueles que eram partidários fanáticos do PT e de Lula que, assim como os que os abominavam, também não acreditavam que ele cumpriria o prometido na Carta. Como, para eles, os objetivos justificam os meios (suprema máxima de Joseph Stalin) a Carta era apenas um meio para reduzir o grau do risco-Brasil e conquistar o voto daqueles que - tal como Regina Duarte - mostravam-se temerosos e apreensivos. Chegando ao pódio, abrindo uma garrafa de Romanée Conti e sentando na cadeira presidencial, Lula faria exatamente o contrário do que dizia na Carta. E encetaria, de imediato, os necessários preparativos para a assim chamada "transição para o socialismo". Para o alívio dos que o detestavam e indignação dos que o amavam, Lula não estava mentindo como ambos queriam crer. E a maior prova disto foi sua escolha de Antonio Palocci para ministro da fazenda, surpreendendo gregos e troianos. Os primeiros logo perceberam que Palocci era apenas "o homem que copiava", e copiava a política econômica de Pedro Malan de austeridade fiscal, talvez com demasiada ênfase. Os segundos perceberam logo que o companheiro Lulla os havia vilmente traído, estava "fazendo o jogo da direita" e do capitalismo internacional. Alguns destes esquerdistas empedernidos e fanatizados romperiam mais tarde com o PT, como antes e por motivos semelhantes fizera o PSTU, e fundariam o P-SOL de Heloísa Helena, Luciana Genro e Babá, partido dos neoxiitas. Desde o momento em que Palocci pôs em prática sua política econômica de manter os juros exageradamente elevados com um temor, talvez excessivo, de uma escalada inflacionária, o governo se dividiu em ao menos duas facções fortemente antagônicas: Um grupo encabeçado pelo vice-presidente José Alencar criticando constante e veementemente a alta taxa de juros e responsabilizando a mesma como causadora de um crescimento econômico pífio de menos de 4%, mesmo para os padrões da América do Sul. Um segundo grupo encabeçado pelo próprio Lulla defendendo a política econômica de Palocci ardorosamente como coisa necessária para evitar o surgimento do fantasma de uma incontrolável escalada inflacionária, pela aplicação de uma queda gradual e cautelosa dos juros. Cabe demarcar o governo Lula em antes e após o escândalo do mensalão cujas conseqüências mais graves até agora foram, sem dúvida, a cassação do mandato de Zé Dirceu e algo que as pesquisas de opinião publica parecem estar indicando: o começo ainda tímido de uma provável queda vertiginosa do índice de popularidade de Lula, não o suficiente para o Congresso se sentir seguro para iniciar um processo de impeachment, mas o bastante para outros candidatos ameaçarem seriamente a hegemonia de Luiz Inácio. Neste final de dezembro de 2005, conforme as últimas pesquisas, o quadro que se apresenta é vitória de Serra no primeiro turno, vitória de Alckmin no segundo, e Garotinho o grande azarão do páreo correndo por fora. Temos que levar em consideração dois fatores importantes: (1º) Serra já é bastante conhecido nacionalmente e muitos dos ex-eleitores de Lula querem reparar sua culpa de ter votado nele e não em Serra, que se acredita ser um homem honesto. Ao menos até o presente momento, nada consta contra sua integridade moral. (2º) Alckmin é muito menos conhecido nacionalmente, mesmo se levando em consideração que um governador de São Paulo é sempre, e por conhecidas razões, um nome de projeção na mídia. Mas tem crescido bastante nas últimas pesquisas, embora não tenha iniciado sua campanha política de âmbito nacional. Tal como Serra, Alckmin é considerado, ao menos até o presente momento, um homem honesto, uma figura muito mais simpática do que Serra e contando com um índice de rejeição muito menor do que o mesmo. Conforme o Jornal do Commercio de 21/12/2005, "O empresariado brasileiro é simpático ao governador Geraldo Alckmin (PSDB-SP) e teme mais o prefeito José Serra (PSDB-SP) que o presidente Luiz Inácio da Silva. Dessa forma, o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI) deputado Armando Monteiro Neto (PTB-PE) resumiu ontem a visão dos industriais sobre os principais personagens da corrrida presidencial em 2006." Mas por que razão, a classe empresarial tem medo maior de Serra do que Regina Duarte tinha de Lula? O próprio deputado citado acima oferece uma boa razão: "Setores da comunidade empresarial acreditam que Serra é mais intervencionista. O mercado tem mais medo dele que do novo Lula que emergirá na campanha eleitoral." Monteiro Neto faz, no entanto, uma ressalva que eu jamais faria: "Mas eu vejo o Serra de outra forma. Ele age com racionalidade na economia. Não o vejo desafiando essa racionalidade." Eu também não. Resta esclarecer que se trata de uma "racionalidade latino-americana da CEPAL". Sendo Serra um cepalino de sete costados, não desafiará essa racionalidade, a menos que deixe de ser estatólatra, intervencionista, desrespeitador dos direitos de propriedade industrial, inflacionista a la Celso Furtado, usw. Nota do Editor: Mario Guerreiro é Doutor em Filosofia pela UFRJ. Professor Adjunto IV do Depto. de Filosofia da UFRJ. Ex-Pesquisador do CNPq. Ex-Membro do ILTC [Instituto de Lógica, Filosofia e Teoria da Ciência], da SBEC. Membro Fundador da Sociedade Brasileira de Análise Filosófica. Membro Fundador da Sociedade de Economia Personalista. Membro do Instituto Liberal do Rio de Janeiro e da Sociedade de Estudos Filosóficos e Interdisciplinares da UniverCidade. Autor de obras como Problemas de Filosofia da Linguagem (EDUFF, Niterói, 1985); O Dizível e O Indizível (Papirus, Campinas, 1989); Ética Mínima Para Homens Práticos (Instituto Liberal, Rio de Janeiro, 1995). O Problema da Ficção na Filosofia Analítica (Editora UEL, Londrina, 1999). Ceticismo ou Senso Comum? (EDIPUCRS, Porto Alegre, 1999). Deus Existe? Uma Investigação Filosófica. (Editora UEL, Londrina, 2000). Liberdade ou Igualdade (Porto Alegre, EDIOUCRS, 2002).
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