O que um indivíduo normal pensaria se fosse arrastado para um ambiente onde a idéia de que as palavras não possuem nenhum significado, sendo a língua a forma última de tirania, é reverenciada como o que há de mais avançado na inteligência humana? O que pensaria esse mesmo indivíduo aparentemente normal se os novos sábios viessem lhe dizer que também não existem verdades absolutas ou fatos comprováveis, tampouco ciência, lógica ou racionalidade - já automaticamente se contradizendo mas incapazes de reconhecer isto? O que pensaria esse homem quando confrontado com a idéia de que tudo o que existe de fato são apenas aparências sobrepostas umas às outras e costuradas por estruturas sociais dominantes que nos forçam a acreditar que aquilo é realmente realidade? Atordoado, essa pobre criatura também viria descobrir que não existe mesmo individualidade humana, somos todos frutos de uma classe, e nosso comportamento nada mais é que uma extensão da consciência de classe. Pior ainda, ele descobriria que os sábios ao seu redor acreditam piamente possuírem uma verdade tão límpida e superior que lhes confere automaticamente o direito de decidir os rumos da humanidade, desde a centralização do planejamento econômico até a eliminação de todas as expressões religiosas e culturais dos povos - ou na melhor das hipóteses, sua redução a um insípido denominador comum. Olhando ao redor, buscando uma saída para essa terrível quimera, esse indivíduo ainda será confrontado por sábios que lhe revelarão a real significância de sua existência, o verdadeiro propósito de sua vida. Ora, aquele possível pai de família, temente a Deus e bom vizinho nada mais é do que um mero apêndice de seu pênis, todos os seus objetivos, todos os seus desejos, todas as suas expressões de amor e ódio, começam e terminam em sua glande. Recusando-se a aceitar tamanha redução de sua personalidade e buscando ajuda de outros sábios, esse indivíduo então irá descobrir que ele é pouco mais do que um bicho, já que sua essência se traduz no instinto de sobrevivência de onde todas as demais qualidades humanas são seus meros disfarces: compaixão, arrependimento, fé, amor e amizade incondicionais nada mais são que extensões desse instinto básico presente em homens e amebas. Daí a crer que a busca de poder seja o sentido último da vida, espremendo a natureza humana entre uns poucos super-homens e uma massa disforme de últimos-homens, é um passo perigosamente pequeno que dificilmente esse indivíduo se recusará a tomar, e quando tomar, deixará de ser indivíduo. O ambiente a que me refiro, cujas idéias acima são apenas um mero apanhado que está longe de refletir a extensão da degradação intelectual e moral que o ser humano vem sofrendo com o passar do tempo, se encaixa como uma luva em qualquer departamento de "Ciências Humanas, Letras e Artes" de qualquer universidade ocidental. Hobsbawn não poderia estar mais correto em classificar o último século como uma era de extremos; no século do extremo progresso científico do homem, também vimos o extremo retrocesso do homem à anti-ciência. No século em que a inteligência do homem lhe permitiu pisar na lua e descobrir o mapa da vida, surgiu também o impulso de achincalhar a inteligência, de desprezar aquilo que nos faz indivíduos e de renegar a natureza cumulativa do conhecimento. Hobsbawn resumiu magistralmente o caráter do século XX mas falhou em apontar a razão de tal caráter, por ele mesmo ser mais um dos intoxicados na extensa lista de intelectuais que se venderam às ideologias. Restou ao historiador britânico Paul Johnson explicar o Séc. XX como o século do coletivismo, cuja essência foi a busca incessante da redução do homem a uma mera engrenagem da ordem social. Após dezenas de milhões de vítimas inocentes, ainda encontramos no ambiente acadêmico os defensores fervorosos das idéias coletivistas e prometeicas que tanta miséria trouxeram à humanidade. E o problema maior é que os apóstolos da descontrução, da luta de classes ou do mero caos proliferam-se como células cancerosas, não apenas espalhando sua metástase pseudo-intelectual, mas também se organizando de modo a impedir todas as manifestações contrárias às suas idéias. Um exemplo típico se dá, por exemplo, nos departamentos de Letras de universidades americanas. Intelectuais do porte de David Horowitz e Peter Collier há muito denunciam o fato de que acadêmicos que deveriam estudar língua e literatura estão cada vez mais se dedicando ao ativismo político, usando de seu prestígio e status para empurrar goela abaixo dos alunos uma agenda política mesquinha que em maior ou menor grau inclui todas as idéias por trás dos genocídios e guerras do séc. XX. Todavia, não devemos nos espantar com o fato de idéias tão díspares - como o marxismo e o desconstrucionismo por exemplo - acabem atraindo as mesmas simpatias políticas, fazendo seus seguidores compartilharem uma agenda muito próxima. Desprovidas de essências e uníssonas apenas em seu caráter maniqueísta e prometeico, tais idéias são na verdade parasitas do intelecto, facilmente coadunáveis dentro do espectro do ativismo político moderno. Tendo a destruição como principal meta, suas incoerências são facilmente negligenciáveis, pois através delas esses pensadores modernos conseguem se exprimir engajando-se em posturas políticas radicais que traduzem ipsis litteris toda a arrogância engarrafada em suas almas mesquinhas. Os donos da verdade tendo-se decidido em modelar o mundo ao seu bel-prazer, começando, é claro, por destruí-lo, não poderiam ter encontrado lugar melhor para começar sua tarefa do que as modernas instituições de ensino. Professores possuem poder, eles escrevem e recomendam livros, editam revistas acadêmicas, organizam palestras e seminários, escolhem bolsistas, escrevem cartas de referência e, last but not least, definem a nota dos alunos através de critérios no mínimo subjetivos. Professores ativistas possuem ainda mais poder, estão ligados a ONGs e possuem a simpatia da mídia e sua influência sobre a vida dos alunos se estende para além da sala de aula. Ninguém pode passar incólume por esse pântano de arrogância que têm se tornado as modernas instituições de ensino no que tange às ciências humanas. Em última instância, os alunos que não tiverem sido intoxicados por toda essa baboseira, acabarão classificados como os mais medíocres, com notas mais baixas, cujo mérito insuperável de ter sobrevivido ao abatedouro jamais será reconhecido, a não ser, talvez, como um traço de excentricidade. Muito em breve vai chegar um ponto em que poderemos pendurar um cartaz na entrada de cada departamento de Ciências Humanas de cada universidade ocidental: "Lasciate ogni speranza, voi ch’entrate". E os alunos irão entrar sem nem ao menos desconfiar o verdadeiro sentido daquilo que lêem. Nota do Editor: João Costa é bacharel em ciências administrativas e especialista em relações internacionais.
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