Tucano que é tucano, não diz que vai "acabar com essa raça": diz que "há milhões de inimpregáveis" e que "vai virar a página do getulhismo na história brasileira". Daí o tucanês, como batizou Zé Simão, essa linguagem que mistifica, diz sem dizer, para finalmente pedir que "esqueçam o que eu falei". Para mostrar que é um traço comum da direita, a jornalista estadunidense Katrina Vanden Heuvel, editora do The Nation, recolheu em um "Dicionário dos republicanismos" os tucanismos da gangue de Bush. Anunciando o objetivo do livro, ela colocou o seguinte subtítulo no dicionário: "O guia indispensável sobre o que eles realmente querem dizer quando eles dizem o que eles acham que você quer ouvir". "Porque eles", esclarece Katrina, "deliberada e conscientemente nunca dizem o que querem dizer ou querem dizer o que eles dizem". Alguns às vezes deixam escapar expressamente a manipulação: Paul Wolfowitz admitiu em entrevista à revista Vanity Fair que a expressão "armas de destruição em massa" foi decidida para desatar a guerra contra o Iraque porque era "a mais vendável" (sic). E Katrina realça algo que cai como uma luva para as manipulações da mídia entre nós em torno da muito bem cunhada - embora nunca provada, mas isto é o que menos importa, pois o que conta é o seu sucesso - expressão do "mensalão": "prova positiva, se fosse necessária, de que linguagem é poder e de que os debates são vencidos ou perdidos baseados em definições". Veja alguns verbetes do livro: Abuso: palavra moderna para o que antes era designado como tortura. Anti-semita: designa qualquer pessoa que discorde da política de Israel. Criacionismo: teoria que afirma que os homens descendem do barro e não dos macacos. Ou: teoria metafísica que acredita que os republicanos foram criados por deus, enquanto os democratas vieram dos macacos. Evolução: os seis dias que deus levou para criar o universo. Cultura da vida: estranha crença de que Jesus ficou mais contrariado com o aborto e os preservativos do que com a pena de morte. Darwinismo: uma teoria, não comprovada, entre outras, sobre a origem das espécies. Democracia: governo das corporações, pelas corporações, para as corporações. Ou: um país em que os jornais são pró-norte-americanos. Ou: quando eles votam a nosso favor. Tirania: quando eles votam contra nós. Fraude eleitoral: quando se computam todos os votos. Inglês: idioma que requer ser falado pelos imigrantes que querem ser cidadãos dos EUA, mas não requerido para o próprio presidente dos EUA. Imprensa livre: materiais de propaganda governamental financiados de forma sigilosa por 250 milhões de dólares dos contribuintes, mas fornecidos gratuitamente para a mídia sem nenhum conhecimento do papel da preparação do governo na sua elaboração. Habeas corpus: arcaico termo latino, que caiu em desuso. Infanticídio: aborto. Crescimento do emprego: maior número de empregos que os norte-americanos têm que conseguir, para tentar recompor seu nível salarial, depois de ter perdido emprego com salário maior. Preguiça: quando os pobres não estão trabalhando. Lazer: quando os ricos não estão trabalhando. Modernizar: eliminar. Paz: o que se busca através da guerra. Filosofia: religião. Prisão: programa de atividades rurais; crescimento empresarial; o único programa social meritório do governo. Cortes progressivos de impostos: cortes maiores para quem progride mais, para que sigam progredindo mais. País do mal: país que compra armamentos da França ou da Rússia, e não dos EUA. Secular: amoral, odiado por deus. Tortura: interrogatório por outros meios. Praticado apenas por umas maçãs podres. Guerra contra o terror: uma guerra inconstitucional e interminável. A melhor coisa que aconteceu para a indústria bélica. Nostalgia da Guerra Fria. Estado de Bem-estar: instituição do mal, que pagava criminosos para vadiagem, passear com garotas e se dar bem. Mulher: pessoa que pode ser confiada para cuidar de uma criança, mas que não pode ser confiada na decisão sobre se quer ter um filho. Nota do Editor: Emir Sader, professor da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), é coordenador do Laboratório de Políticas Públicas da Uerj e autor, entre outros, de "A vingança da História".
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