Janeiro é recomeço. E recomeço exige revisão, exige reorganização. E é aí que entra uma operação chamada faxina. Que significa, basicamente, revisar as coisas que a gente tem e decidir o que fica e o que vai embora. Não é tarefa fácil. Porque a verdade é que a gente tem muita coisa - graças, em grande parte, ao bilhão de chineses que, produzindo sem cessar, inundam o mundo com uma incrível variedade de objetos, acintosamente baratos. Esses dias eu comprei um cadeado por R$ 2. Como é que um cadeado, feito de caro metal e envolvendo uma tecnologia que não é simples, pode custar o mesmo que um refri? Mas custa, e aí os apartamentos da classe média se enchem de cadeados, e de eletrodomésticos, e de mil outras coisas. Só que os apartamentos da classe média não costumam ser muito grandes, e lá pelas tantas a família se vê confrontada com um dilema: ou nós, ou as coisas. Há pessoas que resolvem o dilema reconhecendo o direito de certos objetos: o nosso vice-governador Antonio Hohlfeldt tem um apartamento só para seus livros (o mesmo acontecia com Guilhermino Cesar). Mas livros, reconheçamos, são objetos privilegiados, à prova de faxina, como já disse a Martha Medeiros. O mesmo não acontece com roupas, com os objetos da casa. Muita coisa tem de ir embora. E isto se constitui num problema. Porque nas coisas existe investimento emocional, existem lembranças, às vezes tênues, mas sempre presentes. Outro dia encontrei, na garagem do prédio, o meu amigo e vizinho Milton. Ele estava fazendo uma faxina em seu depósito e encontrara um curioso objeto: uma bóia de carburador. Por que guardara uma bóia de carburador, se os carros agora só funcionam com injeção eletrônica de combustível? Esta foi a pergunta que ele me fez, e que não é de resposta fácil. A única coisa que posso te dizer, Milton, é que essa bóia provavelmente veio flutuando no rio do tempo, trazendo lembranças de uma época longínqua. Para os carros ela já não serve, mas tem uma função no carburador emocional. A faxina é um reencontro com o passado. Mas tem de resultar em espaço disponível. Bóia na imaginação, tudo bem; já no depósito...
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