Homem de gravata, o que você faria se nesse momento estourasse uma guerra civil? Imagine algo extremamente desastroso, que fizesse todo o sistema entrar em colapso. Pra debaixo de que mesa de escritório você correria para se defender dos tiros, lançados impunemente ao ar? Para que milícia apelaria, ao perceber que os barrentos homens, assim vestidos de guerra, não traziam a inscrição de mocinhos nem de bandidos? Em que copa tomaria o seu cafezinho? Não sobrariam bule nem mãos serviçais que coassem o fumegante líquido diário. Para quem ligaria? Já não haveria os chatos seres que operam aquelas chatérrimas centrais telefônicas. Que arma faria de seu celular? Que mãos plantariam e colheriam a comida diária de seus filhos? A que distância encontra-se de uma vaca que possa lhe dar o leite do bebê? Em que fornos assaria o pãozinho assim sem fermento, feito apenas com água e um resto de farinha embolorada que encontrou num lixo qualquer? Com que habilidade teceria os fios que lhe encobririam as vergonhas? Com que unhas rasgaria a pele de um coelho para cozê-lo numa fogueira? Que fósforos escapariam da lama que tornaria úmidas as ruas? Quanto tempo duraria seu isqueiro? Quanto suas mãos tremeriam após o último cigarro e o quanto seus ossos ficariam gelados após o último trago do conhaque? Onde iria procurar o seu analista? Em que árvore você encontraria o corpo dele dependurado? Como defenderia sua esposa do assédio desses animais que vagueiam pelas ruas constantemente no cio? Como seria atravessar o corpo de alguém com uma lança, antes que pudesse ter o próprio transpassado? Em que leito poderia dormir tranqüilo, sentindo o hálito do inimigo à espreita? Dentro de que grades deixaria seus filhos seguros, quando saísse para a caça do dia? Como construiria uma casa pra morar, se tivesse que viver fugindo, como uma presa que sente o predador por perto? Isso seria apenas um dia de sua vida, homem abandonado. E tudo isso se repetiria indefinidamente pelos aproximadamente 10.950 dias dos seus próximos trinta anos.
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