Como este ano é um ano eleitoreiro e temos frente a nós a frustração de muitas pessoas que se alimentavam das vãs ilusões na suposta beatitude ética de um determinado partido político que arrogava estar acima do bem e do mal e, por isso, cremos que seja deveras interessante tecermos algumas reflexões sobre o fenômeno político, porém, por um viés apolítico. Isso mesmo. Hoje, tudo em nossa sociedade, ao que se afigura às nossas meninas dos olhos, só pode ser pensado por um viés político. Alias, por um viés "politicamente correto". Se assim não o for, logo o elemento se encontrará submetido a um profundo ostracismo. Basta que, para tanto, que o indivíduo discorde peremptoriamente dos cacoetes mentais decorados pela massa ignara supostamente instruída para que essa o coloque no paredão para ser alvejado com os mais infames rótulos. Essa massa que ama rotular e que não aceita em hipótese alguma ser criticada de maneira séria ou patética e toma como princípio de sua ética a procura irascível pelo prazer. Um verdadeiro hedonismo materialista os guia, pois, a boa política para estes seria apenas aquela que atendesse de modo satisfatório as suas necessidades materiais imediatas e nada mais. E, já que é o hedonismo que centra os olhos desta massa disforme, cremos ser deveras interessante consultarmos as palavras de um filósofo hedonista. Para tanto, elegemos o filósofo grego Epicuro. Segundo a ética epicurista, que nada mais é que uma derivação da escola cirenaica, a felicidade consistiria simplesmente no prazer que seria o princípio e o fim da vida, tendendo-se para ele e fugido da dor. Todavia, segundo o epicureu, haveriam dois tipos de prazer: o estável que consiste na privação da dor e o prazer em movimento que consiste no gozo e na alegria. Então, a felicidade consistiria na ataraxia (ausência de perturbação) e na aporia (ausência de dor). Estes termos significariam a libertação temporal da dor da necessidade e a ausência absoluta de dor. Por isso, para este filósofo, só o cálculo cuidadoso dos prazeres permite que o homem se baste a si próprio e não se deixe escravizar pelas necessidades e pela preocupação com o amanhã. Entretanto, este cálculo só ser efetuado através da sagacidade que, segundo ele, seria a mais preciosa das virtudes, porque através dela nascem todas as outras virtudes e sem ela a vida não teria doçura, nem beleza, nem justiça. A virtude seria o elemento básico para a felicidade e a sagacidade o instrumento básico para a escolha e a limitação das necessidades para assim poder alcançar a ataraxia e a aporia. Por isso nos perguntamos a partir dos ensinamentos do mestre do Jardim: quais são as virtudes que utilizamos para escolher os nossos representantes? Nós cultivamos as virtudes que utilizamos como critério para realizar as nossas escolhas ou essas não passam de meras formalidades que nos servem de adorno para a nossa máscara existencial? Quanto a nossa felicidade, nós a fundamentamos na procura de um bem estável ou na instabilidade da fluidez constante dos momentos furtivos e imediatos? Por essas razões que Epicuro dizia que seria impossível pensarmos no desenvolvimento da ataraxia e da aporia em meio às atividades políticas. Reconhecia a sua importância, mas recomendava o afastamento delas se o indivíduo realmente desejava cultivar a sagacidade, pois Epicuro via na filosofia o caminho para alcançar a felicidade, entendida como libertação das paixões, das opiniões irracionais e vãs, das perturbações que delas procedem. E, como a política é uma seara dominada pelas paixões e pelos impulsos irracionais das massas, torna-se, a seu ver, impossível realizar algo que fosse realmente estável e duradouro. Alias, quem aqui entre nós cultiva algo que realmente mereça o título de virtuoso? Vivemos presos as opiniões irracionais que Epicuro nos advertia e as cevamos como se fossem sentenças de sapiência e, de tanto estarmos sendo levados pelo sopro dos modismos politicamente corretos acabamos por não mais saber o que seja realmente um porto seguro para nossas reflexões por não mais sabermos o que realmente somos enquanto pessoas e enquanto sociedade por desdenharmos por completo o que venha a ser uma autêntica felicidade duradoura e, ao mesmo tempo, cobiçá-la virilmente como se soubéssemos claramente o que estamos a procurar. A virtude não está no mundo material e muito menos nas organizações e em seus símbolos toscos, mas sim na tranqüilidade e na paz da alma humana que dá prumo e norte para tudo que se encontra a nossa volta direta ou indiretamente. Por isso, sendo assim, podemos afirmar que o equilíbrio de nossa sociedade se dá pelo critério da tolice renovada profusamente de quatro em quatro anos. Tolice essa envolta com o mais delicado manto de hipotética sensatez. E é por isso que digo, muitas das vezes, que a melhor forma de protesto nos dias atuais contra esses bandoleiros de colarinho branco é a apatia frente as suas macaquices feitas nos palanques.
Nota do Editor: Dartagnan da Silva Zanela é professor e ensaísta. Autor dos livros: Sofia Perennis, O Ponto Arquimédico, A Boa Luta, In Foro Conscientiae e Nas Mãos de Cronos - ensaios sociológicos; mantém o site Falsum committit, qui verum tacet.
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