Em ano de eleição só se pensa nisso. O restante da vida nacional esmaece ou mesmo apaga diante do espetáculo muitas vezes degradante da política, levado aos picadeiros do país para deleite do respeitável público. Como único candidato, se bem que negue tal evidência, o presidente Luiz Inácio conforme faz desde sua posse tem se dedicado ao auto-elogio e ao ataque a seu antecessor. Aliás, a oposição sistemática de seu partido durou oito anos de forma ininterrupta. Foi assim que o PT obteve êxito na demonização de Fernando Henrique Cardoso e grande parte da sociedade foi eficientemente persuadida através da mídia, da universidade e da Igreja de que estava diante do pior governante que o Brasil já teve. Rapidamente a memória do povo, que elegeu e reelegeu FHC especialmente por conta do êxito do Plano Real, se esvaiu sob intensa propaganda petista, enquanto Luiz Inácio era ainda mais santificado como o puro, o ético e, também, por atributos negativos (entre eles seu despreparo para o cargo), o que revela muito sobre o caráter nacional na medida em que enaltecemos anti-heróis e anti-valores com aquela naturalidade própria de nossa plasticidade moral. Na relação PT/PSDB surgiu uma dualidade interessante. Para o PT, o PSDB é o inimigo. Para o condescendente PSDB o PT pode eventualmente em campanha ser o adversário. Já o presidente Luiz Inácio, que trai um tremendo complexo de inferioridade diante de Fernando Henrique, atribui a esse os males do Brasil, mas não se importa em copiar sua política macroeconômica nem de tentar repetir seus programas sociais. No fundo o PSDB é um demônio cômodo para o PT que achou o bode expiatório para seus próprios erros, fracassos e a espantosa corrupção que se assiste. Este é o mesmo mecanismo que atribui aos Estados Unidos a culpa pelas mazelas latino-americanas, oriundas na verdade da mentalidade do atraso que grassa no continente. Com o resultado das eleições municipais, quando a imprensa falou em polarização entre PSDB e PT, petistas recrudesceram os ataques ao PSDB, a suave e diplomática agremiação de punhos de renda que contrasta com a truculência da república sindical que tanto sucesso faz, e nesta campanha tal tendência irá aumentar. No momento o PT parece temer menos José Serra e mais Geraldo Alckmin. Isso é perceptível na medida em que o governador de São Paulo é crivado de ataques que vão do apelido de picolé de chuchu à "denúncia" de ser ele membro da Opus Dei. Entra em discussão uma possível opção religiosa de Alckmin que, se fosse dirigida ao mítico ex-dirigente sindical seria condenada como intolerável preconceito. A Luiz Inácio basta ser "religioso a sua maneira", como definiu um bispo amigo. E apesar de se dizer que Alckmin não é conhecido, contraditoriamente é taxado de insosso sem que lhe dê chance de mostrar realmente como é. Provavelmente o PT receia o contraste entre sua estrela barbuda e o homem educado, de fala correta e bem articulada, que demonstra inteligência e comprova eficiência através de realizações efetivadas ao longo de sua carreira pública. Alckmin é "perigoso" na medida em que poderia atrair simpatias em performances televisivas de campanha. De todo modo, ainda não se sabe quem o PSDB lançará, sendo que no momento seus caciques parecem se inclinar para José Serra. Com os demais partidos, excluindo o PFL, o PT mantém uma relação de calculada indiferença. Exceção feita ao PMDB (que é governo e oposição ao mesmo tempo) que seria o grande sustentáculo da reeleição do candidato Luiz Inácio. Com a queda da verticalização, que aumentou a mixórdia partidária, o PMDB poderá lançar candidato à presidência da República (quem sabe apoiando Luiz Inácio por debaixo do pano, como já fez com Ulysses Guimarães) e fazer as coligações que quiser nos Estados, sobretudo, com o PT. Diante dessas duas máquinas de poder a luta será desigual o que faz com que alguns voltem a apostar na reeleição de Luiz Inácio. De todo modo, com exceção do presidente, os demais candidatos ainda não estão definidos e pode ser que durante a campanha surja uma oposição para valer. A política é mutável e cheia de surpresas, e só as urnas em outubro poderão mostrar se venceu a máquina federal, a propaganda enganosa e a compra de votos ou se o povo aprendeu a lição. Mas enquanto no Brasil só se respira clima eleitoral, no resto do mundo sumimos do mapa. Luiz Inácio não foi nem em Davos nem em Caracas. Em ambos os fóruns ele não tem mais espaço. Em Davos os países que importaram como nações em ascensão foram a China e a Índia. Em Caracas a estrela foi Hugo Chávez, ídolo e condutor das esquerdas latino-americanas. Melancolicamente fomos reduzidos à insignificância que o governo do PT, em que pese suas bravatas, nos conferiu. Nota do Editor: Maria Lucia Victor Barbosa é socióloga.
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