Em matéria de praia, a Batalha Final não oporá os adeptos de Santa Catarina contra os defensores das praias gaúchas, os veranistas de Torres contra os fãs de Punta del Este. Em matéria de praia, a batalha final oporá os diurnos contra os noturnos, os cultores da higidez contra os fãs da diversão. Uma batalha que vem se preparando há muito tempo, desde que o litoral do Rio Grande do Sul passou a receber os primeiros e intrépidos visitantes. As viagens então eram longas e não isentas de risco: parte do trajeto era feito na areia, onde carros e ônibus freqüentemente atolavam. Pouca gente tinha casa em Tramandaí, Capão ou Torres; a maioria ficava em hotéis, quase sempre precários: a luz elétrica provinha de gerador e era desligada às dez da noite. Os programas eram essencialmente diurnos e vistos como regime de saúde, tipo spa. Assim, as pessoas acordavam cedo, ao som de uma sineta tocada pelo pessoal do hotel, e antes mesmo do café, à luz tênue da madrugada, seguiam para o banho, medida lúdico-medicinal (aquela clássica coloração marrom da água, resultante de algas, era considerada "iodo", bom para a saúde). Na volta, um espantoso café (as refeições, que faziam parte da diária, eram sempre pantagruélicas) e de novo praia. Almoço, sesta, e praia; jantar, e aí depois do jantar, brincadeiras de salão. Às nove, toque de recolher. Tudo isso mudou, sobretudo para os jovens. Eles até podem tomar banho de mar ou de piscina (uma alternativa que condomínios estão oferecendo), mas, a menos que se trate de surfistas, pegar jacaré (será que alguém ainda sabe o que é isso?) definitivamente não está com nada. Não há toque de despertar; qualquer hora é hora para acordar, desde que seja depois do meio-dia. Segue-se um legítimo brunch, aquela combinação americana de café com almoço, uma ida à praia, cujo objetivo principal é encontrar amigos e amigas e combinar o programa para a noite, depois um jantar e aí, sim, a vida decola, ao ritmo da balada. Aliás, esta palavra é interessantíssima; no passado, designava uma forma poética, aliás com títulos melancólicos: a Balada dos Enforcados, de François Villon (século 16), a Balada do Cárcere de Reading, de Oscar Wilde (século 19). Hoje, balada deriva de baile: e dê-lhe música, no Planeta Atlântida e em outros lugares. Quanto à Batalha Final, se não tem lugar certo, tem hora: às seis da manhã, quando os jovens voltam e em que seus pais (ou avós) estão indo para a caminhada ou para o banho. Felizmente existe um grupo mediador. É gente que acorda às 9h, vai para a praia, caminha, joga frescobol, vôlei ou futebol, bate papo, toma banho de mar, volta para casa por volta da uma, almoça, sesteia, caminha de novo, e à noite visita os amigos ou vai a uma festa. Como a classe média na sociedade este grupo amortece choques culturais. E mostra que a praia, afinal, é o reino da liberdade, um lugar em que cada um pode viver como achar melhor. Se todo mundo reconhecer esta verdade, a Batalha Final será substituída por uma grande, uma enorme confraternização. Que melhoraria em muito a nossa existência.
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