O espaço urbano é um dos principais espelhos da modernidade, de seu projeto de sociedade. Quando um jovem criado em um vilarejo interiorano volta os olhos de sua imaginação para a sua possível viagem para um grande centro as imagens que lhe arrebatam a alma são, em primeiro lugar, de ruas largas, limpas, pavimentadas e iluminadas. Arranha-céus, movimento frenético de pessoas, "felicidade". Enfim, acabamos projetando imagens de um suposto Éden pedido ou de uma hipotética Idade de Ouro que a muito findou devido à decadência humana. As cidades, de um modo geral, a partir do advento do Renascimento e mais especificamente com o desenrolar da modernidade, foram o grande ninho dos sonhos dos seres humanos que desejavam muito mais que encontrar o seu futuro. Desejavam forjá-lo, controlá-lo. As cidades simbolizavam o futuro e o campo, um passado arcaico, sendo sinônimo de atraso. Atualmente, depois da ressaca da experiência modernizante temos uma significativa inversão destes papeis, onde o campo passa a ser simbolizado como sendo uma espécie de sonho a ser revivido em oposição ao fracasso de muitas das promessas urbanas. Depois de muito prometer, a imagem obscura da modernidade urbana passou cada vez ficar mais vivível. Imagem de favelas, da violência endêmica, do trânsito caótico, das inundações, da solidão e, de repente, o campo passou a sinalizar uma possibilidade de um reencontro com a suposta Idade de Ouro perdida. Muitas são as questões que temos em torno deste fenômeno, questões imprescindíveis, porém, nesta breve missiva contentamo-nos em apenas apontar para um detalhe: não é volvendo o nosso olhar para um espaço artificialmente moldado pelas mãos e pelos olhos humanos que nós iremos resolver os problemas da vida em sociedade, visto o fato de as relações que determinam a vida e bem como a angústia caustica que habita o âmago de nossa alma continuam a existir e a nos acompanhar em nossas caminhadas incansáveis, de nossa procura pelo suposto Éden perdido, por não atinarmos nossa razão para o fato de que o caminho para a tranqüilidade divinal encontra-se de mãos dadas com os males que assombram o nosso ser.
Nota do Editor: Dartagnan da Silva Zanela é professor e ensaísta. Autor dos livros: Sofia Perennis, O Ponto Arquimédico, A Boa Luta, In Foro Conscientiae e Nas Mãos de Cronos - ensaios sociológicos; mantém o site Falsum committit, qui verum tacet.
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