Quando o diplomata Celso Amorim, atual ministro das Relações Exteriores, era diretor-geral da Embrafilme, nos tempos dos militares no poder, um membro da comunidade cinematográfica nacional - Gilberto Marques, 40 anos de atividade, maquiador de 70 filmes, entre eles "O Pagador de Promessas" - enforcou-se publicamente nas grades da Escola Teodoro, no bairro da Glória, Rio de Janeiro. Deu-se o seguinte: por conta da política discriminatória adotada pelo diplomata, empenhado em destruir a fértil produção da chanchada erótica, o técnico Marques, desempregado, antes de ascender ao cadafalso, maquiou-se, trocou de roupa e, na solidão de um quarto de hotel, escreveu quatro cartas, uma delas ao diretor-geral da Embrafilme. No palco da tragédia, seu penúltimo gesto para evitar qualquer arrependimento foi tapar a boca com esparadrapo. Eis um trecho da carta do maquiador destinada ao diplomata Celso Amorim: - "Faz quatro meses que eu não trabalho, estou ficando sem dinheiro por falta de filmagens. Eu não agüento mais. Sem fé e sem dinheiro irei me juntar com Mazzaropi e outros que se foram. Mas o cinema nacional só vai mal para alguns, porém vocês jamais verão os grandes produtores pobres: eles compram carros, sítios e, com os trocados, fazem filmes baratos pagando mal aos artistas e técnicos". Vinte e cinco anos depois, num quarto de hotel em Porto Príncipe, Haiti, o General Urano Teixeira da Matta Bacellar, comandante de uma força de ocupação militar do Brasil no conflagrado Haiti, foi encontrado morto. O general morreu com um tiro na boca, disparado de sua própria arma. Os peritos da ONU, que encontraram sinais de pólvora em uma de suas mãos, e o quarto arrumado, chegaram à conclusão, sem contestação cabível, de que ele se matou. Mas por que o comandante Urano, no auge de sua carreira militar, um homem seguro e tranqüilo, contando com o afeto da família e segurança material, se matou? Bem, para muita gente o general percebeu que a presença das tropas brasileiras no Haiti, uma cartada do Ministério das Relações Exteriores dirigido por Celso Amorim, não passava de uma estratégia furada que tinha (e tem) por objetivo a inviável escalada do Brasil de Lula até a cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU, um caos a ser evitado. E de fato, para um país considerado emergente, em vias de desenvolvimento, não faz sentido gastar milhões de dólares e a vida dos seus filhos para vigiar as violentas favelas de Porto Príncipe - espaço aberto e antro de marginais, seqüestradores ou simplesmente ladrões. O comandante viu o abismo. Mas, militar disciplinado, não quis chiar. Preferiu lavrar o seu protesto partindo para o consciente sacrifício da própria vida - um gesto que o governo Lula, Amorim à frente, prefere não entender. A pergunta que se faz é a seguinte: por que a sofreguidão do governo, especialmente do Itamaraty de Amorim, em querer arrancar a vaga permanente do Conselho de Segurança da ONU, hoje, sem sombra de dúvida, um órgão internacional falido nos seus objetivos de paz e desmoralizado pelos escândalos, fraudes e fracassos que acumula? Resposta provável: para assumir um foro internacional e confrontar os Estados Unidos, na visão das esquerdas fidelizadas a própria imagem de Satã. Sim, pois o fato é perceptível e só um idiota, justamente aquele que pretende furar os olhos para enxergar melhor, ousa negar o antiamericanismo que norteia a política externa brasileira, a começar pela sistemática sabotagem ao projeto da Alca, talvez a melhor saída para o crescimento do nosso comércio internacional. Talvez por isso a diplomacia suicida adotada pelo MRE venha se esmerando no exercício de uma linguagem em tudo semelhante à concebida por George Orwel em "1984", onde a verdade se torna mentira e a mentira, por sua vez, se transforma na paralaxe dos homens. Com efeito, nos seus discursos ou depoimentos plenos de preciosidades, clichês e artifícios verbais, o diplomata Amorim aprimorou um jogo mórbido que inverte o sentido das coisas e da própria realidade: nele, por exemplo, palavras como "paz" significa "guerra", "diálogo" quer dizer "monólogo" e "desmentir" tem a equivalência de "confirmar". Agora mesmo, diante do veto previsto em cláusula contratual do governo americano à venda de aviões de treinamento militar da Embraer para a beligerante Venezuela do facinoroso Hugo Chávez, em plena corrida armamentista com o dinheiro fácil do petróleo, Amorim, fingindo indignação, diz que os EUA "pisaram nos nossos calos" e classificou o gesto como "absurdo e injustificável". Claro, o ministro não esclarece à opinião pública que os Estados Unidos cederam ao Brasil uma sofisticada tecnologia militar, de elevados custos, desde que este não cedesse o projeto bélico a nações hostis aos Estados Unidos e à democracia - justo o caso da Venezuela de Chávez, hoje um instrumento do comunismo Castrista, ditador arrogante cujo único objetivo é criar um conflito militar com os Estados Unidos. A diplomacia suicida do atual Ministério das Relações Exteriores, plena de equívocos, está a merecer uma revisão drástica dos futuros dirigentes da nação. Os permanentes fracassos apontados nas negociações com o Mercosul, União Européia, Alca, China, Israel, o caso do engenheiro desaparecido no Oriente Médio, a ausência de uma legislação criminalizando a lavagem de dinheiro e o financiamento do terrorismo a partir da Tríplice Fronteira, para não falar no malogro da própria missão de paz do Haiti, só nos compromete com o atraso secular. E não foi para isso que o general Urano se imolou com um tiro na boca. Nota do Editor: Ipojuca Pontes é cineasta, jornalista, escritor e ex-Secretário Nacional da Cultura.
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