Outro dia encontrei um ilustre economista, hoje muito bem sucedido empresário, dono de uma escola em São Paulo. Perguntei-lhe se sua escola era liberal, eu que sei das suas raízes epistemológicas. Disse-me: - "Não. Aqui ensinamos ciência econômica pura". Na bucha, retruquei: - "Mas quem defende isso são os liberais!". Deu de ombros e encerramos a conversa. Economia pura? Fiquei com a expressão martelando em meu cérebro. Lembrei da lição do grande Ortega y Gasset: "Lo que más importa a um sistema científico es qué sea verdadeiro". A pureza de uma ciência é a sua capacidade de explicar a realidade. Evidente que na expressão do ilustre economista ecoou a tradição neokantiana, toda ela positivista. Pura? Palavra transformada em biombo para esconder a covardia de se confessar liberal. O problema é que equações e instrumental matemático avançado não dão pureza a ninguém, mas dão um verniz de ciência natural. Fiquei pensando se haveria alguma limitação mercadológica em se dizer liberal, pois talvez isso implicasse em perder alunos. Mas um discípulo de Milton Friedman não poderia se dizer outra coisa. O fato é que o homem se acovardou em se dizer o que é. "Eu sou aquele que não é". Palavras são carregadas de sentidos. Predileção é confissão, lembro de novo Ortega. Escolher certas palavras é o princípio de tudo. "No princípio era o Verbo", Escondeu-se num biombo vernacular, mas não por razões mercadológicas, e sim, porque ser liberal é ser da maldita direita política e "nesse País" (Lula) ninguém mais pode ser da direita, nem que de fato o seja por convicção. Temos todos que bradar a condição sinistra em praça pública. Somos manetas em matéria de economia política, pelo menos nas confissões dos seus arautos. Ser liberal é ser excluído do meio bem pensante e do metier dos ganhadores de dinheiro do mercado financeiro, ave de rapina mor do Tesouro. Como ser contra o pagador supremo das contas, aquele que tem a varinha de condão de construir grandes fortunas em pouco tempo? Até os banqueiros, ou melhor, sobretudo os banqueiros, no Brasil, assinaram ficha de filiação no PT. Que bom devedor é esse partido no poder, risco soberano cumprido à risca, honra tudo, até mensalões. Quem quer dar calote na dívida agora são os tucanos, dizem os jornais. Pelo menos aquela ala tucana - pasme-se - mais à esquerda, de Bresser Pereira e José Serra. Essa esquerda tucana é bicho feio, estão chamando-a até de direitista. Virou a direita política oficial, a oposição consentida, a sucessora natural de Lula Lá. Só falta pedir auditoria da dívida externa, como queria o PT de outrora. Economia, uma ciência pura? Quem disse o contrário? Claro, todas as escolas marxistas, que começam seu credo dizendo que a superestrutura é condicionada pela base econômica e que a verdade é relativa, dependendo de quem faz a ciência, de qual classe social o fulano é oriundo. Foi Marx, ecoando Kant e Hegel, quem pregou o relativismo da verdade (quem não lembra das Teses sobre Feuebach?), não a partir do eu, como queria Kant, é verdade, mas das classes sociais transformadas em egos coletivos. Marx conseguiu um equívoco maior do que o dos mestres. Mas Ortega ensinou que materialismo não tem a dignidade de uma filosofia, muito menos o materialismo dialético. O edifício da ciência econômica está consolidado, porém só se sustenta a partir de fatos apriorísticos que lhe dão consistência, sua condição de existir. Só serve para explicar uma realidade dada, que é natural. Um desses fatos é o livre mercado. Outro, o estado de direito. Outro, a liberdade, esse maior bem. Outro ainda um Estado de tamanho suportável e um sistema jurídico racional. Sem isso, é a Idade da Pedra ou a sua versão moderna, conhecida por socialismo. A economia pura de nosso economista, amigo de Milton Friedman, pressupõe tudo isso, o que lhe impõe a obrigação moral - um imperativo categórico - de partir em defesa do livre mercado, inclusive e sobretudo em defesa das suas idéias, pois essa é a verdade em Economia. Como aliás fez Friedman toda a sua vida. Ao contrário dos cristãos, todavia, nosso economista se envergonha de seu evangelho. Sua causa está derrotada e sua ciência pura sem condições de subsistir nesses tempos de purismo socialista dominante no Brasil. Economistas são como que sacerdotes do Estado, ao lado dos advogados. As duas classes hoje estão completamente embotadas pelas idéias coletivistas. As exceções - e o indigitado economista é uma delas - acovardam-se diante do público. Ainda faremos desse Brasil uma grande Cuba tropical, não sem antes vermos o pescoço enforcado da direita acovardada. Dessa não terei nenhuma piedade, pois dela não é merecedora. Nota do Editor: José Nivaldo Cordeiro é executivo, nascido no Ceará. Reside atualmente em São Paulo. Declaradamente liberal, é um respeitado crítico das idéias coletivistas. É um dos mais relevantes articulistas nacionais do momento, escrevendo artigos diários para diversos jornais e sites nacionais. É Diretor da ANL - Associação Nacional de Livrarias.
|