"A culpa não é dele, coitadinho, assaltou porque é um excluído pela sociedade de consumo"... "Aquele sujeito tem três namoradas ao mesmo tempo, mas a culpa é da mãe dele, que lhe deu muito carinho quando criança"... "Os sem-terra têm direito à terra"... "A Igreja precisa abrir-se mais para questões como o do aborto, que é uma realidade social"... "Qual o problema daquela linda moça posar nua, se vai ganhar muito dinheiro para fazer meia dúzia de fotos?"... "Deixe de ser preconceituoso, as duas se amam e têm direito ao matrimônio!"... Estas e muitas outras "explicações" tão comuns nos dias de hoje nada mais são do que reflexos esparsos, porém facilmente interligados por uma expressão simples: relativismo moral! No mundo atual, a ideologia esquerdista esforça-se - infelizmente, com sucesso - para enfiar em milhões de cabeças que não são habituadas a pensar, ou porque não puderam ou quiseram estudar, ou porque estudaram e exatamente por isso refletem os padrões relativistas do ensino, que tudo é relativo. O relativismo moral é muito pior do que pode parecer ao olhar perfunctório do homem moderno: ele é a causa de muitas desgraças, da criminalidade, da deterioração da família, de Estados corruptos, de ideologias imorais porque tisnam a essência do ser humano, que é a busca da vida com liberdade responsável, da excessiva carga tributária, das diversas formas de nepotismo e de muitas outras mazelas. Desde que a Lógica e a Epistemologia existem como ciências do raciocínio e do conhecimento, sabe-se que eventos contrários admitem meios termos e que eventos contraditórios não os comportam. Assim, por exemplo, entre dois acontecimentos contrários, como o quente e o frio, existe o morno, mas, entre chover ou não chover, ou entre virtude e vício, não há algo como "meia-chuva", nem como "meia virtude" ou "meio vício". Com isto, chamo a atenção para algo que vem sendo deliberadamente ignorado, como conseqüência da dialética de Hegel e do relativismo moral emanado de Nietzsche, Sorel, Bergson, Keynes, Marcuse, Sartre e diversos outros representantes do marxismo, do existencialismo, do niilismo e de várias derivantes e cruzamentos: clamo para que se dê atenção ao fato, logicamente irrefutável, de que todas as ações humanas, sob a perspectiva da ética e da moral, ou são certas ou erradas, não cabendo lugar para coisas como "meio certas" ou "meio erradas". Vivemos uma crise de valores morais cuja pedra angular é o aviltamento do espírito crítico resultante do conflito entre a inteligência que estabelece a ordem do conhecimento e a existência, o que conduz a duas negações, a dos princípios intelectuais e a da verdade. Em suma, à negação tanto da razão quanto da fé. Conhecimento não é só um progresso técnico-científico não subordinado a princípios morais superiores e insubstituíveis, o que o faz submeter-se ao poder político e o transforma em mera prestidigitação ideológica, em que os valores superiores são substituídos por inferiores, apodrecendo a cultura e, portanto, a sociedade. Não é outra a causa da diátese de costumes que consome o mundo e o Brasil, em que a superficialidade, a futilidade, a imaturidade e a mediocridade regem progressivamente e de forma generalizada os costumes, os comportamentos, as ações e os gostos, levando a um aparente paradoxo, em que a acumulação vertiginosa do estoque de conhecimento técnico ocorre ao mesmo tempo em que uma assustadora escassez de sabedoria, de virtude e de critério para avaliar esse conhecimento. Não é de se estranhar, portanto, que músicas de péssima qualidade, como esses raps da vida, façam tanto sucesso entre jovens ricos e pobres; que muitas moças, para ganharem fama e dinheiro, aproximem-se de homens famosos, como jogadores de futebol e cantores, algumas até deles engravidando, para "garantir" o seu futuro; que esse comportamento errado, porque desprovido de amor - e Deus é Amor! - lhes renda até programas em horário nobre na TV; que políticos acusados de falcatruas como a do "mensalão", ou mesmo de serem os mentores desse triste episódio, não apenas deixem de ser punidos com rigor pela lei, como continuem a ter espaço nos grandes meios de comunicação e pagos a peso de ouro; que aquele árbitro de futebol que confessou ter atuado de forma a obter certos resultados "desejáveis" permaneça impune, tendo a quadrilha que o levou a tais atos errados lesado milhões de pagantes do pay per view e os que compareceram aos estádios; que figuras execráveis que denominarei aqui de severinos - posto que há mais delas nas assembléias estaduais, municipais e no Congresso do que nossa vã informação consegue perscrutar - tenham tudo para serem reeleitas; que magistrados atuem politicamente, em favor desse ou daquele partido, ou dessa ou daquela ideologia e fique tudo como está debaixo do sol; que verdadeiros atentados à inteligência como esses big brothers da vida alcancem tanto sucesso e sejam comentados em todos os salões de beleza de todas as cidades. Não é de estranhar, também, que muitos tidos como intelectuais atribuam a violência intolerável que atinge nossas grandes cidades a um ente abstrato, a "sociedade" (capitalista, naturalmente), retirando a culpa dos verdadeiros culpados - que são, em alto e bom som, os bandidos, gente! - e tentando lançá-la sobre nós, transformando com seu ilusionismo dialético carrascos em vítimas e vice-versa; que professoras universitárias pronunciem palavrões de fazer corar estátuas sem a menor cerimônia, em pleno elevador de uma universidade; que juízes aceitem este absurdo que é o direito relativo; que ditos "teólogos" que se declaram católicos rezem para a "Mãe Terra" ou para a "Mãe Água" e não para a Mãe de Deus... Basta de relativismo! Precisamos lutar, sem medo de sermos carimbados como "falsos moralistas", contra esse mal que vem comendo a sociedade pela raiz. Precisamos gritar, em alto e bom som, que o que é certo é certo e o que é errado é errado. Um ladrão, um assassino, um invasor de terras, um estuprador, um seqüestrador, todos esses tipos são criminosos, sejam eles pobres ou ricos. Por isso, um dos primeiros passos é acabar com o relativismo no campo jurídico. Criminosos devem ser punidos, simplesmente porque cometem crimes. Se não tiveram uma família constituída que lhes ensinasse o que é certo e o que não é; se seus professores enfiaram as minhocas do relativismo em suas cabeças; se o Estado recolheu impostos e não os usou para uma educação baseada em valores cívicos e morais sólidos e se não lhes deixaram desabrochar a fé, sugerindo-lhes que o que importa é a razão (esquecendo-se de ensinar-lhes que fé e razão se complementam); se todo esse ataque relativista, enfim, tornou-os ou criminosos ou coniventes com crimes e licenciosidades avessas à boa moral, temos que atacar este mal e falar, escrever, bradar, clamar, enfrentando-os sem qualquer medo, porque os seus argumentos, diante da verdade, se desmancham como um sorvete exposto ao sol. Contra essas trevas que ameaçam nossa civilização, lancemos a luz; contra as mentiras, a verdade; contra os que zombam de Deus, busquemos a Sua força para que vençamos a luta. O ser humano é, em princípio, bom por natureza mas, para que não se transforme em um ser mau, precisa ser treinado, assim como um pianista que, para adquirir boa técnica, precisa de muitas horas de escalas e arpejos. O treino de que o mundo está carecendo avidamente são aqueles conceitos que nossos avós e pais nos passavam desde que éramos bem pequenos: "meu filho, isto não é certo", "não faça isso, porque é errado", "respeite a sua professora", "devolva aquele dinheiro, porque ele não é seu", "respeite a Deus, não O desagrade, porque isto só lhe trará o bem"; "não vote naquele candidato, porque é corrupto"... Conceitos alardeados como "ultrapassados" como castidade, modéstia, honestidade, fé, caridade verdadeira, preocupação com os necessitados, respeito à verdade, família formada por um homem e uma mulher precisam ser resgatados, antes que seja tarde demais e leguemos a nossos descendentes uma Sodoma moderna, muito mais corroída do que a que a Bíblia relata. As pessoas de bem precisam dar um basta ao relativismo moral, antes que ele envenene completamente o organismo social. Como diria São Paulo, o certame é difícil, mas o combate é bom! Nota do Editor: Ubiratan Jorge Iorio é Doutor em Economia (EPGE/FGV), Vice-Presidente Executivo do Centro Interdisciplinar de Ética e Economia Personalista (Cieep), Diretor da ITC Iorio Treinamento e Consultoria e Professor da UERJ, da FGV, da PUC.
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