Autonomia dos doentes psiquiátricos no tratamento é valorizada por 75% dos médicos. Contudo, esses profissionais têm dificuldades em perceber o teor moral de suas ações
Estudo da Faculdade de Medicina da USP analisou a sensibilidade moral dos médicos psiquiatras brasileiros na sua prática diária, em relação a questões éticas como autonomia do paciente, respeito à integridade humana, às regras psiquiátricas e o relacionamento com pessoas. Os resultados mostram uma tendência ao respeito e à autonomia do paciente. Para o psiquiatra Marcos Liboni, "essa atitude é muito importante numa área como a da saúde mental, na qual os tratamentos muitas vezes disponíveis não são os ideais para problemas complexos". O pesquisador lembra que os médicos, no entanto, demonstraram pouca consciência do conteúdo moral de suas ações. Para elaborar sua tese de doutorado, Liboni investigou o comportamento e as opiniões de 522 psiquiatras brasileiros a partir de uma escala de opções sobre atitudes e moralidade. O respeito à autonomia dos pacientes foi um dos aspectos mais encontrados: cerca de 75% dos médicos apresentaram essa tendência, que pode ser constatada, por exemplo, na prescrição de um outro medicamento para um paciente com depressão que não queira fazer o tratamento considerado ideal. "O mais adequado do ponto de vista técnico nem sempre é o melhor para um paciente", acredita o pesquisador. Por isso as pessoas não devem ser tratadas todas da mesma forma, mas sim individualmente. Já a benevolência - o desejo de fazer o bem para o paciente, não apenas nos aspectos técnicos - foi valorizada por 66% dos entrevistados. "Isto traz confiança ao paciente, o que é muito importante, até porque se a pessoa não acredita no médico, os resultados do trabalho são piores", explica. Outra constatação é que 60% dos profissionais tiveram dificuldade em identificar o conteúdo moral de suas atitudes diárias, já que o limite entre o que é ou não necessário não é bem definido. O uso da força em um paciente que não aceita determinado tipo de tratamento, por exemplo, muitas vezes é encarado como normal, mesmo quando não há essa necessidade. Contudo, os médicos não enxergam nisso uma questão com forte peso moral. "As diferenças entre os ideais do paciente e os do médico podem gerar conflitos, que nem sempre são percebidos", diz o pesquisador. Diferenças entre grupos As respostas dos médicos em relação às suas atitudes morais sofreram também variações de acordo com suas experiências pessoais e profissionais. Quanto maior a idade e a experiência profissional, maior a atitude benevolente e o respeito pela integridade humana por parte do médico. Já os formados há até dez anos apresentaram uma tendência a não levar esses aspectos em grande consideração. Os psiquiatras negros, por sua vez, mostraram ter um respeito maior à integridade humana que os demais, "talvez por fazer parte de um contexto étnico específico, que sofre na pele mais preconceitos na nossa sociedade", acredita Liboni. Os casados, viúvos e solteiros mostraram-se mais inflexíveis que os profissionais que não têm vínculos oficiais com seus companheiros. A religião, por outro lado, não mostrou ser fator de influência na prática médica psiquiátrica. E os psiquiatras que não fizeram residência médica nessa área foram os que se mostraram mais cuidadosos ao seguir as técnicas da prática, as regras e os protocolos médicos.
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