Comunicar maus-tratos contra a criança ao Disque-Denúncia é absolutamente seguro e contribui para a solução de graves problemas. Não é novidade que o "poder" dos pais ou responsáveis sobre os filhos implica a possibilidade de usar a coerção para educar. A questão de quando cessa a coerção necessária à educação e começa a violência desmedida ilegal e imoral faz-se em torno de conceitos não legais, mas éticos. Um pequeno tapa nas nádegas de uma criança que insiste num comportamento que pode prejudicá-la é violência ou obrigação dos pais? Esta discussão às vezes apresenta justificativas favoráveis à violência e, em outras oportunidades, contra a educação. Claro que quase todos são argumentos que não se sustentam, são inconsistentes. Não vamos aqui nos deter nisso. O importante é analisar os fatos incontroversos que implicam realmente e, sem dúvidas, uma patente violência, uma agressão física ou verbal que prejudique a criança. Não há qualquer dúvida que encarcerar os filhos, manter relações sexuais com eles e provocar inanição são comportamentos agressivos e criminosos contra qualquer criança. Quanto a tapinhas nas nádegas da criança para obrigá-la a não pular da janela, deixemos aos psicólogos seu trato científico. A base desta violência claramente se assenta na covardia e na impunidade. O covarde agride aqueles que não podem defender-se. Com isto, satisfaz diversas psicopatias sem correr o risco de receber de volta a agressão. Como tudo se faz no recanto de uma casa, a certeza da impunidade também contribui para a ocorrência de tanta barbárie no seio familiar, porque é muito difícil obter provas. Outro aspecto importante é a confusão moral que impera naqueles que tomam conhecimento de agressão em família, mas acham aquilo normal porque sua formação aceita tal comportamento como algo pessoal em que não devemos nos intrometer. "Cada pai educa seu filho como acha que deve". Outras vezes, a vítima de agressão, por ser criança em formação, também pode acreditar que aquilo que ocorre em casa deva ser comum e normal e não quer denunciar para não prejudicar os agressores, que são quase sempre os próprios pais. A saída para tudo isso é a intromissão de um terceiro que possa proteger a criança contra a agressão de seus educadores, sejam eles pais, professores, tutores ou qualquer responsável. Esse, obviamente, deve ser o poder estatal com suas instituições. Mas, para que seja possível esta intervenção precisamos comunicar o estado de alguma forma. Suas instituições não agem sem que levemos os fatos a seu conhecimento. A última instância estatal, embora haja opiniões em contrário, será sempre a instituição policial. Quando outros órgãos não atingem seus objetivos por limitações legais, políticas ou econômicas, só resta a força do Estado armado e autorizado a usar a devida e legal autoridade nos momentos de crise, quando os delitos são cometidos. Porém, como a polícia vai adivinhar onde a criança mal tratada está? Afirmo sempre: sem informação e testemunhas não há persecução penal. Reconheço o temor real de se envolver com pessoas violentas, denunciando maus-tratos, mas hoje existe um serviço em São Paulo, conhecido como Dique-Denúncia, que recebe qualquer informação a respeito de delitos, de maneira anônima, por telefone, não identificando jamais o número do denunciante. Não é um crime qualquer. Imagine que aquela criança torturada poderia ser seu filho e, com certeza, seu coração vai guiar sua atitude, indicando tudo que você pode fazer para ajudar. Na dúvida, denuncie, ou será você mais um alienado a se omitir. Nota do Editor: João Francisco Crusca é delegado de Polícia, coordenador da Polícia Civil no Disque-Denúncia de São Paulo e membro do Centro de Direitos Humanos "Celso Vilhena Vieira".
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