O chefe da polícia pelo telefone mandou avisar, que na Praça XI tem uma roleta para se jogar. E se tem alguém que não sabe, esta é uma paródia feita a partir do primeiro samba gravado do mundo, escrito por Donga em 1917. Onde ele anunciava a novidade do telefone para o povão do Rio de Janeiro, que ainda não tinha intimidade com esta tecnologia. Pobre Donga, que não sabia que iriam mudar a letra de sua música, e transformá-la numa crítica à conivência da polícia, que fazia vista-grossa diante da proibição do jogo. Pobre Donga, que naquela época ainda nem desconfiava que bem do lado da Praça XI surgiria, algumas décadas depois, pelas mãos gaúchas de Brizola, a carioca internacional Avenida Marquês de Sapucaí. Um lugar que não tem roleta mas que também serve para se ganhar muito dinheiro. E como dinheiro, nestes tempos de capitalismo globalizado, multiplica-se muito bem diante de uma bela propaganda, eis aí o nosso carnaval! Que é inegavelmente o maior espetáculo do mundo, um teatro vivo e pulsante lindíssimo, que arrepia qualquer epiderme, até as menos sensíveis. Este carnaval, que é uma fonte de referências culturais brasileiras, que é o momento em que o povo, tão abandonado e desprezado, consegue transformar seu suor em sorriso; não merece ser resumido a um simples reclame publicitário. E salve a Mangueira! Mas, por favor, salvem rápido. E somente a envolvo nas serpentinas deste texto, por ser a mais famosa e tradicional representante das escolas de samba do Rio de Janeiro, e de todo o país. Por ser aquela que deixa a lavadeira da favela e o banqueiro suíço maravilhados da mesma forma, e que infelizmente está se transfigurando num outdoor em verde-e-rosa. E o pior, fazendo publicidades caríssimas do governo federal. O mesmo que não tem verba para cultura, não tem verba para o teatro, não pode incentivar o cinema, não gosta muito de livros e tem como ministro-garoto-propaganda o ótimo compositor Gilberto Gil. É deste baile de sacanagem que sai o patrocínio para esta respeitada escola de samba, que por coincidência já homenageou os Doces Bárbaros. E que por coincidência, faz parte deste grupo, o nosso mascarado já citado. Desculpe, eu quis dizer, ministro já citado. E então, deixando-se levar por este surdo rumor de coincidências vamos nos embalando, para lembrar que no ano de 2002, ano de eleição presidencial, o enredo da Estação Primeira foi sobre o nordeste, região que caracterizava muito bem um dos candidatos. E que por coincidência foi o vencedor da eleição. No ano passado, o enredo mangueirense foi uma exaltação descarada à Petrobrás. E neste ano, um melado elogio ao Rio São Francisco, que por outra coincidência é um dos projetos entravados do governo federal. Tudo bem que carnaval é sinônimo de festa organizada pelo diabo, mas, uma escola de samba fazer apoio de campanha e receber os lucros e vantagens que isso ocasiona, é no mínimo uma devassidão libertina. É mais que um mensalão alegórico, uma bateria de caixas-dois, é quase uma concentração de palhaços. Que não são mais os ladrões de mulher, e sim, de cofres públicos, e também da inocência do folião. Pois afinal, se nosso carnaval em fevereiro tem tanto de política, fica claro que nossa política o ano todo é um grande carnaval. Nota do Editor: Flávio Assum é colunista da seção Iscas Paranoicotidianas do site www.lucianopires.com.br, com formação em comunicação social.
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