Cuba, 2003. Eu havia retornado da ilha algumas semanas antes. Em março, furiosa onda repressora se abateu sobre o país com a prisão de dezenas de jornalistas e militantes de direitos humanos. Entre estes últimos, minha venerável e valente amiga, a laureada economista Martha Beatriz Roque. No dia 3 de abril, o frustrado seqüestro de uma embarcação levou ao episódio conhecido como o “fusilamiento de los três negritos”, no qual, entre a desastrada tentativa de fuga, a investigação policial, a denúncia, o julgamento, a apreciação dos recursos e a tríplice execução decorreram apenas oito dias. Pois bem, duas semanas depois, enquanto até comunistas declarados, como Saramago e Mercedes Sosa, botavam a boca no trombone contra o que estava acontecendo, o alto comando do Conselho de Igrejas de Cuba (CIC) tornou pública uma declaração dirigida “às igrejas, conselhos de igrejas, líderes eclesiais etc.”. Tenho em mãos o documento, que despeja sobre esses episódios um total de 1288 palavras. Destas, 885 estão reservadas o clássico antiamericanismo, cimento, areia e aço dos pilares que sustentam o discurso de Fidel. O pouco restante cuida de separar, sem explicar bem por que o faz, as prisões de março das execuções de abril, emite uma tímida e genérica condenação à pena de morte, sem associar, nem de longe, tal reprovação ao caso dos “três negritos”, e conclui com esta inestimável pérola: “Também as Sagradas Escrituras nos chamam à compreensão pastoral e profética dos que nos governam e zelam pelos destinos do nosso país, e que neste momento perigoso e dramático aplicaram severamente as leis vigentes”. Fidel Castro deve ter mandado um beijo para todos. Por que escrevo sobre isto? Porque dona Ofelia Ortega Suárez, pastora da Igreja Presbiteriana Reformada de Cuba, signatária daquele amontoado de disparates e tão condescendente com a violência institucionalizada em seu próprio país, acaba de ser eleita, em Porto Alegre, presidente do Conselho Mundial de Igrejas, numa Assembléia mundial marcada por manifestações em favor da paz. Tremenda contradição! Somando-se ao que narro acima, vale lembrar que: a) a grande estrela da Assembléia do CMI, o bispo anglicano Desmond Tutu, afirmou que Deus não é cristão (e de duas uma: ou Cristo não é Deus ou seu batismo não valeu); b) um dos atos do encontro foi a badalada celebração religiosa gay na capela da PUC; e c) muitos temas cuidados pela assembléia se voltaram para assuntos como água, energia, comércio internacional, dívidas externas e coisas assim, bem mais de César do que de Deus. Desculpem os que me convidaram, mas não, muito obrigado. Já vi muito disso para continuar testemunhando descabidas concessões ao politicamente correto, que nada têm a ver com o verdadeiro diálogo e a verdadeira tolerância. O nome disso é relativismo e secularização. A eleição de dona Ofélia não foi a gota d’água, mas é a própria água. Nota do Editor: Percival Puggina é arquiteto, político, escritor e presidente da Fundação Tarso Dutra de Estudos Políticos e Administração Pública.
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