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Opinião
01/03/2006 - 10h16
A Febem e seus desafios
Raul Gorayeb
 

Quando se toca no problema das crianças e adolescentes em conflito com a Lei, em nosso meio é mais ou menos como política e futebol: todos têm suas opiniões, soluções e são especialistas no assunto. Na verdade, quando é para se envolver de fato e trabalhar com a questão, sobram poucos, e nem sempre os mais qualificados.

Sabemos que a Febem, como Instituição, herdou muitos vícios da época em que foi concebida (o período da Ditadura Militar) e os seus dirigentes, hoje, têm muita dificuldade, não para propor, mas para pôr em prática qualquer proposta de trabalho, uma vez que as maiores resistências vêm de dentro mesmo dos meandros institucionais.

Por isso, todos nós que compomos a Sociedade temos que pensar qual deve ser a contribuição de cada um, uma vez que o interesse que está em jogo importa a todos. Trata-se de nada menos que o futuro, uma vez que estamos falando dos cuidados com aqueles que serão os herdeiros de nosso legado, e ocuparão o nosso lugar ali adiante. Digo isto porque, para os que ainda não se apercebem, o que fazemos ou deixamos de fazer com uma parte das crianças e jovens que se encontram em conflito com a Sociedade em que vivem, reflete-se diretamente na sociedade como um todo e tem conseqüências profundas em seu conjunto.

Foi inspirado nestas idéias que aceitei a proposta de participar de um Projeto Experimental para se criar uma Unidade de Abrigo que seja capaz de, sem os antigos vícios da instituição, pôr em prática bons modelos de cuidados e recuperação social das crianças e adolescentes que deles necessitem.

Esta comunicação visa informar do andamento deste Projeto. Seguindo o princípio da soma de esforços, os dirigentes das Secretarias Estaduais da Saúde e da Justiça, junto com a atual Presidência da Febem, tiveram a idéia de criar esta Unidade que contaria com a participação de todos os tipos de profissionais, que costumam estar envolvidos com a questão dos cuidados, em regime de abrigamento, dos menores que têm que cumprir as assim denominadas Medidas Socioeducativas, estendendo estes cuidados às suas respectivas famílias, que os receberão de volta quando saírem. Esta unidade terá como objetivo desenvolver os métodos e técnicas de trabalho necessários ao cumprimento de suas responsabilidade com a clientela sob seus cuidados, bem como promover a multiplicação dos seus resultados, funcionando como pólo de reciclagem e capacitação, para todos os que trabalham nas mesmas atividades em outras unidades institucionais, que desempenham as mesmas tarefas.

Teremos que envolver como parceiros todos os setores e instâncias sociais implicados na questão, a Educação, a Justiça e outras que queiram dar a sua contribuição.

A Universidade Federal de São Paulo, através do seu setor de Psiquiatria da Infância e Adolescência, do qual sou o Coordenador, uniu-se à Associação Beneficente Santa Fé, uma ONG hoje com tradição e reconhecimento por suas atuações sociais e com quem já havíamos trabalhado anteriormente, e faremos, conjuntamente, a coordenação das ações visando a execução do projeto.

A unidade abrigará quarenta moradores distribuídos em cinco casas com oito deles em cada uma, reproduzindo um sistema o mais próximo possível da vida familiar comum em nossa cultura. Possuiremos toda a infra-estrutura necessária ao desenvolvimento dos trabalhos: área para a prática de esportes, dependências para salas de aula, oficinas para o desenvolvimento de atividades artesanais e artísticas, sala e material adequado para informática e, como ponto nobre desta estrutura, uma biblioteca que será estrategicamente usada no trabalho cotidiano com os moradores. Isto porque, como já é sabido, é através da inserção ou reinserção na cultura é que obtemos os melhores resultados de reintegração dos cidadãos que estão, por qualquer motivo, à margem da estrutura social.

A equipe técnica trabalhará num esquema conhecido como Ambientoterapia, onde se utilizam as atividades rotineiras da vida diária dentro de uma instituição, como oportunidade para se efetuar as intervenções sobre a clientela dos abrigados, e que venham a ter efeitos terapêuticos e socializantes.

Sabendo que, por ser um projeto experimental, esta unidade trabalhará em condições favoráveis, estaremos nos dispondo a receber, entre aqueles que se encontram internados, os clientes que, por algum motivo, necessitem atenção especial ou se mostrem mais difíceis de serem assistidos nas unidades em que se encontram.

Por esta rápida descrição percebe-se que a filosofia de trabalho neste projeto será norteada pelo compromisso de assumir com seriedade a tarefa educacional e socializante que norteou, no princípio, a criação das medidas socioeducativas como instrumento social de intervenção para os menores de idade em conflito com a Lei. É essencial que estas ações sejam efetivamente realizadas, sob pena de, se não o fizermos, as medidas de reclusão acabarem se tornando, como são hoje, um fator de incremento para uma vida marginal e fora dos valores sociais compartilhados.

O que quero dizer é que penso que a única saída para a questão da marginalidade social dos jovens em nossa sociedade é assumirmos nossas responsabilidades diante do problema, uma vez que é preciso reconhecer, hoje mais do que nunca, que os homens são fruto da sociedade onde vivem, e não estamos mais nos tempos da Santa Inquisição, onde se atribuía ao demônio (hoje à genética) a culpa dos desvios sociais. Isto se fará se pudermos mostrar competência e eficácia no cuidado com aqueles que a própria sociedade, de algum modo, transformou em um problema.


Nota do Editor: Raul Gorayeb é professor do Departamento de Psiquiatria da Escola Paulista de Medicina - Unifesp Chefe do setor de Psiquiatria da Infância e Adolescência. Diretor do CRIA-UNIFESP - Centro de Referência da Infância e Adolescência.

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