"Os enigmas tornam-se reféns dos conceitos que neles deciframos. Os enigmas só podem continuar suas emanações depois que os devolvemos à câmara secreta." Uma obra literária possui inúmeros elementos que devem ser observados pelo crítico: a textura, os matizes dos ambientes externos e internos, a direção da luz, a temperatura, a velocidade, o ritmo. Esses são os elementos essenciais de qualquer romance, mas um jovem crítico deve iniciar com a análise das vírgulas, muito mais que dos pontos, dos parágrafos ou da coesão dialógica. Um escritor que sabe lidar com as vírgulas já tem um nariz de vantagem sobre os outros. Não se fale em regras, aqui. Caso o autor queira de fato mostrar-se original, necessita definir suas próprias regras. As leis da gramática, quando seguidas à risca, seguram o bailar das vírgulas, e são elas que determinam o ritmo da dança. São aquela substância mínima que mal se percebe nos lábios de um bom contador de histórias. Ele sabe segurar a língua no momento exato, finca uma vírgula naquele instante em que queremos saber mais, queremos que a história se desenrole e chegue à conclusão final, mas o orador não pretende terminar a história, quer provocar distúrbios cardíacos, arrancar emoções, risos e lágrimas. Se contasse tudo de uma vez, sairíamos todos frustrados. A vírgula talvez seja o único vínculo material entre as belas formas textuais, as deliciosas figuras de linguagem, os arrebatadores diálogos... e o espírito que ronda a obra. Um conjunto de capítulos bem costurados não compõe um todo exemplar, se o autor não souber descobrir o espírito de sua própria obra, o harmonioso inaudível que é o princípio e o fim, a vontade e a força que leva a criar. A textura, os matizes, a luz e o próprio ritmo, o desenrolar de diálogos quentes ou gélidos, ações espetaculares, tramas geniais, nada que se componha poderá chegar à estatura de grande obra arte, se o espírito do autor não souber chorar sua dor, cantar o seu riso, na linguagem que se põe além de qualquer decifração. Não é por acaso que histórias extremamente simples, composta de palavras somente as cotidianas, surgem feito um clarão e sobrevivem aos séculos, enquanto autores refinados e complexos permanecem na obscuridade. Nos outros ramos artísticos, dá-se basicamente o mesmo: é quase sempre uma questão de saber utilizar a vírgula. Bem o sabem os gênios da pintura, da música e do teatro!
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