O século passado foi de prosperidade sem precedentes. De Sidney a Vancouver, a humanidade foi presenteada com os mais diversos luxos: viagens espaciais, fibra ótica, comidas congeladas e movimentos ambientalistas. Há duzentos anos, praticamente toda a força de trabalho destinava-se à agricultura. Subsistir aos invernos constituía um problema grande o bastante para ocupar a vida de nossos antepassados. Enriquecidos e populosos o suficiente, os homo sapiens do Século XX puderam deixar de lado a preocupação pela própria sobrevivência e passaram a se preocupar com a sobrevivência de outras espécies. Animais que nunca avistaram em terras onde nunca estiveram. E dedicam grandes somas para aventuras ecológicas. Apenas a Agência de Proteção Ambiental americana teve um orçamento de quase 8 bilhões de dólares no ano passado. Aos governos, ONGs se associam para promover seus projetos. O Fundo Mundial para a Natureza (WWF), por exemplo, atua em mais de cem países, com mais de dois mil projetos. Por todo o mundo partidos verdes e livros escolares ensinam a virtude da preservação do meio ambiente. Entretanto, por mais colossal que seja o alcance dos movimentos ambientalistas, suas conquistas foram patéticas. Sejam as motivações dos movimentos ambientalistas justificáveis ou não, uma coisa é certa: seus meios estão evidentemente equivocados. Quanto mais os "verdes" se expandem, mais batalhas ecológicas são perdidas. A luta pela preservação da fauna, uma das mais tremulantes bandeiras do ambientalismo, não tem conseguido deter a extinção das espécies. No ano 2000, a Lista Vermelha da IUCN contava 11 mil espécies em risco de extinção. Em 2004, o número subiu para mais de 15 mil. Para que os fracassos ecológicos não continuem permitindo (senão estimulando) a matança animal, é necessária uma mudança radical no movimento ambientalista. E rápido, enquanto existe o que preservar. O ambientalismo do Século XXI precisa aprender com os erros do ambientalismo do Século XX, se quiser que os discursos se tornem resultados. Durante o século passado, os ecologistas acreditaram que com boa vontade política seus problemas desapareceriam. Em vez disso, desapareceram 131 mamíferos. Seja por ideologia ou por simples ignorância, os problemas ecológicos erram por buscar soluções no ineficiente aparato estatal. A insistência em gerar programas governamentais para cada meta ecológica apenas impossibilita o divórcio entre o sucesso retórico e a derrota real. Os movimentos ambientalistas que continuarem ignorando a economia e exaltando a regulamentação burocrática acabarão por sofrer uma queda de proporções soviéticas. Antes de perguntar "como o governo deve regulamentar a apropriação de animais em extinção?", o ambientalista deveria perguntar "por que alguns animais correm risco de extinção?". Fatores biológicos podem parecer as principais causas. Alguns animais são exterminados pelos predadores, doenças, ou não se adequam às transformações de habitat. Apenas os mais preparados sobrevivem na natureza, certo? De fato, a constituição física de algumas espécies pode acabar por condená-las ao extermínio, mas a biologia não responde como animais tão semelhantes podem ter destinos tão diferentes. O lobo e o cachorro, o gato e a jaguatirica, o boi e o búfalo. Dentro da mesma família, a herança de uma espécie está salvaguardada e a da outra condenada. A economia propõe outra distinção crucial para a análise de animais em extinção. O fato de serem ou não objetos de propriedade privada. Biologicamente, o boi e o bisão são semelhantes. Economicamente, são quase os mesmos animais. As mesmas planícies americanas que abrigam multidões de boiadas não podem ser inóspitas para os bisões. Ainda assim, o "búfalo americano" foi praticamente extinto no século XVIII, condição que pareceria ridícula atribuir ao boi. A grande diferença entre esses animais não está na natureza, mas no tratamento recebido pelo governo. Ocorreu com o bisão aquilo que os economistas chamam de "tragédia dos comuns". Quando não há propriedade privada, a utilização dos recursos é irresponsável. O caçador que encontra uma manada de bisões na floresta sabe que perderá cada animal que ele não matar. Pior, perderá para o seu competidor, o próximo caçador que chegar. Seu incentivo é exterminar todos os bisões que encontrar pela frente. É por isso que há relatos de caçadores exterminando animais com metralhadoras. Por outro lado, seria grotesca a imagem de um fazendeiro metralhando seu gado. Claro, cada vaca que o fazendeiro não mata hoje significa a poupança de uma vaca para amanhã. Melhor, ela poderá se reproduzir e seu capital ser aumentado exponencialmente. O custo de uma vaca hoje é menos uma(s) vaca(s) amanhã. Porque a vaca é privada. As leis que acreditam proteger os animais submetendo-os ao controle estatal funcionam, na verdade, como sentenças de morte. Sem o reconhecimento de animais como propriedade privada, as espécies não podem ser legalmente valorizadas, tirando, assim, o incentivo para preservá-las. É o que fazem políticas que punem quem acha uma espécie ameaçada em sua propriedade com a perda do direito de uso sobre o terreno. Ou, ainda, as leis que proíbem a posse e o comércio de animais ameaçados. Quanto mais raro se torna, por exemplo, o mico-leão-dourado, maior o incentivo para sua caça irresponsável. Se, pelo contrário, fossem permitidas a compra e venda de micos-leões, haveria enorme incentivo econômico para que os atuais caçadores se tornassem criadores do animal, aumentando seu lucro, não com o assassínio, mas com a procriação. Nossos ancestrais passaram de caçadores nômades a pastores sedentários; por que não fazemos o mesmo? O tigre é símbolo da degradação ambiental provocada pelas deficiências da intervenção estatal sobre o meio ambiente. Acredita-se que 100 mil tigres habitavam a Ásia no início do século XX. No final do século, a estimativa para os tigres selvagens girava em torno de 5 mil. Há séculos, o crescimento da população humana representa uma ameaça para os tigres e vice-versa. Os freqüentes ataques levaram governos como os da Rússia, China e Malásia a promover campanhas para a caça de tigres. Aliada à valorização natural do couro e do osso do felino, um tradicional medicamento chinês, o efeito foi uma matança desenfreada. Conforme o número de tigres foi declinando, os mesmos governos que apoiaram, passaram a limitar a exploração de tigres. Reservas naturais foram criadas e a caça e o comércio de tigres passaram a ser restringidos. Além do esforço internacional da Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Flora e da Fauna Selvagens em Perigo de Extinção (CITES), que passou a incluir o tigre no rol de animais em extinção. Isso significou a proibição do comércio do tigre nos mais de cem países signatários. Os resultados, mostram os números, não são nada animadores. Atualmente o número de tigres cativos equivale ao número de tigres selvagens. Comprovadamente, as reações burocráticas não conseguiram salvar o tigre. Restringir a comercialização do animal obviamente aumentou seu valor, movimentando todo um mercado negro que, conseqüentemente, fez diminuir o número de tigres tanto individualmente, quanto em variedade de espécies. Exportações continuaram sendo feitas e o mercado de ossos de tigres continuou sendo abastecido. Os sucessivos fracassos têm levado ambientalistas a reconhecerem que o problema persistirá enquanto aqueles que controlam o destino do tigre não forem incentivados a preservá-lo, incentivo que poderia vir através da privatização dos animais. Foi a possibilidade de apropriação que salvou os rinocerontes brancos na África do Sul e os elefantes no Zimbabwe. Mesmo os bisões americanos conseguiram passar de menos de mil animais no final do século XVIII para mais de 250 mil atualmente, a imensa maioria descendente de animais privatizados no passado. Além de estimular a conservação de espécies cativas, a instituição da propriedade privada também permite preservar seus habitats, através de reservas particulares que podem ser financiadas com turismo e contribuições voluntárias. Uma interessante experiência, com esse tipo de reservas, vem ocorrendo na Austrália, onde mais animais foram extintos nos últimos cem anos do que em qualquer outro país do mundo. E várias outras pareciam estar condenadas a seguir o mesmo destino. O apresentador de TV David Attenborough chegou a predizer nos anos 80 que o próximo mamífero a desaparecer do planeta seria o numbat, um tipo de tamanduá australiano. Com razão, havia apenas 100 numbats vivos na época. Atualmente há mais de dois mil. Ainda mais impressionante, é o fato dos 100 Wollyes que existiam em 1990 terem se multiplicado em mais de 200 mil. Como é possível um país com tantos fracassos durante o século ter conseguido repentinas vitórias? Mais uma vez, propriedade privada é a senha. A única forma do governo preservar algum animal é modificando estatísticas, observou John Wayler, um ambientalista australiano frustrado com a performance estatal na preservação da fauna. Wayler decidiu buscar no mercado uma alternativa para a preservação animal. Ele adquiriu um terreno, batizado de Warrawong, limitou-o com cerca elétrica, e restaurou um habitat propício para as espécies nativas australianas, renovando a vegetação e eliminando seus predadores imigrantes, como raposas e coelhos. A renda para a preservação animal não veio de auxílio governamental, mas de turismo, doação e da venda de ações. Criaram-se assim os Santuários da Terra, Ltda. (ELS). De 1988 a 2002, a ELS gastou 30 milhões de dólares australianos para cercar e erradicar coelhos, raposas, bodes e gatos-do-mato em mais de 10 mil hectares. Desse modo, ela foi capaz de reintroduzir 25 espécies em seu habitat original. Em 2001, com a queda no valor das ações, a ELS se reestruturou e vendeu várias de suas propriedades para outras fundações de preservação privada. Wayler relata que a maior dificuldade sofrida pela ELS foi causada pelo governo e pela ONU, que proíbem a comercialização de animais, impossibilitando estimar o valor real do patrimônio da ELS. A ONU entende que "porque recursos naturais são tão valiosos, seu valor financeiro deve ser estabelecido em zero", conclui o pesquisador Michael De Alessi. O exemplo da ELS mostra, entre outras coisas, como o mercado reage a problemas. Sua desvalorização na bolsa provocou a reestruturação da ELS e o crescimento de organizações com o mesmo propósito, mas com diferentes abordagens. Não é o que ocorre quando há crises em reservas florestais. As políticas das reservas nacionais brasileiras se mantêm praticamente inalteradas, apesar de seu óbvio fracasso em evitar a crescente degradação e atividades ilegais. Tampouco os incêndios devastadores do Yellowstone Park, a mais antiga reserva estatal do mundo, provocaram grandes mudanças no gerenciamento do parque. O funcionamento do mercado é diferente. Primeiro, porque a comunicação do sistema de preços tende a otimizar a utilização de recursos, tornando a economia mais eficiente. Também podem competir, dentro de um sistema de propriedade privada, diferentes alternativas para o mesmo problema, diferente do "tamanho único" estatal. Além disso, enquanto os empresários necessitam buscar bons resultados para angariar fundos, a lógica do governo é inversa. Quanto piores forem os resultados, quanto maior for a crise, mais dinheiro o Estado disponibiliza para o setor. Os burocratas estão mais dispostos a mostrar o tamanho do buraco do que a tapá-lo. Como esperar solução com um mecanismo de incentivos que favorece o problema? Diferente do que se pensava, propriedade privada e direitos individuais não são incompatíveis com a preservação ecológica. Pelo contrário, são indispensáveis para tal. A estatização da natureza faz com o meio ambiente o mesmo que a estatização dos meios de produção fez com a economia: recompensa os homens por destruírem o que os homens mais valorizam. Sem propriedade privada, a irresponsável utilização dos recursos destrói florestas e extingue animais. Ficamos à mercê da tragédia dos comuns. As melhores armas para conservar nossa fauna e flora neste século são, sim, as mesmas instituições que têm conservado nossa civilização por milênios. Nota do Editor: Diogo Costa é articulista do blog Oito Colunas.
|