Algumas peças teatrais foram marcantes no cenário político nacional, como "Liberdade, Liberdade", por traduzirem a realidade do país com grande riqueza de emoções e informações. "Operação Abafa", comédia da dupla Jandira Martini e Marcos Caruso, em cartaz no Teatro Vivo, em São Paulo (aquele próximo ao Shopping Morumbi, no térreo da luxuosa sede da empresa de telefonia celular), é um desses espetáculos que consegue condensar o momento que o Brasil atravessa em hora e meia de desopilantes gargalhadas, superando folgadamente tudo o que a imprensa se esforça por divulgar com pretensa seriedade. Como não há nada mais trágico do que a política brasileira, os autores deveriam ter optado pelo drama. Mas só rindo mesmo para superar o ridículo a que mais uma vez somos submetidos por políticos que elegemos para destruir nossas últimas esperanças. Os próprios autores, no programa da peça, se mostram espantados com a clarividência revelada no texto escrito em 2001, quando muitos ainda estavam imersos nas ilusões das promessas de campanha dos novos governantes. Eles lembram que quando escreveram "O Rei do Improviso", em 1997, indagaram no programa se alguém se lembrava "em qual penitenciária estão cumprindo pena todos os processados em todas as CPIs?". Elias Andreato, que dirigiu o espetáculo com sua já reconhecida competência, ressalta que "nunca se roubou tanto em todos os cantos do planeta, todos metem a mão no que é nosso". Artesanalmente, quadro a quadro, o elenco nos confronta com a impossibilidade de realizar nossos sonhos e ideais de adolescência e nos joga na foto estática dos que se manifestavam contra a ditadura, em 1968, numa passeata. Estamos lá de braços dados, uma pedra em cada mão, dispostos a tudo para restaurar a democracia e acabar com os desmandos de um governo voltado unicamente aos interesses da elite dominante. Somos passado. Com certeza, não mais os mesmos. Muito simbolicamente, o único jornalista daquele grupo de amigos está morto. Depois de ter sucessivamente perdido vários empregos na tentativa de manter seus princípios, acabou trabalhando como revisor de um jornal do interior, onde não agüentou um ano. O que fica claro nas primeiras cenas, portanto não estou quebrando nenhum suspense com essa revelação. É claro que também não vou contar o final, mas precisa? Não existe outra possibilidade além da tradicional pizza. Mas sempre é possível uma surpresa... ainda que meramente teatral. Coisas que aparentemente só podem acontecer no fantasioso mundo da arte. O que me deixa extasiado, por isso sempre fui um grande amante do teatro, é a capacidade de uma peça abordar tão exaustivamente um tema, revelando não só os fatos, mas os mais íntimos sentimentos de todos os envolvidos. Não só o medo sustenta essa situação, mas a mesquinhez, o egoísmo, a falta de moral, o comodismo, coisas que transparecem no caráter de cada personagem no entremear de um roteiro traçado com a maestria de autores consagrados no gênero. São detalhes que a imprensa jamais consegue mostrar, presos que estamos a formalidade dos acadêmicos textos "informativos". "Operação Abafa" está para a corrupção como "Roda Viva" esteve para as liberdades democráticas. De que serve o direito de eleger nossos candidatos se depois nada podemos fazer diante dos desvios de conduta e crimes por eles cometidos? Como transformam nosso voto no direito a total impunidade e nos colocam na passiva condição de meros espectadores dos acontecimentos políticos, sem nenhuma chance de intervenção até que ocorram novas eleições, é algo inexplicável. Mas assim acontece. Não há mais passeatas e enfrentamentos nas ruas porque não há nenhuma instituição capaz de convocá-las. Todas estão enredadas nas malhas do poder que mensalões, caixinhas, troca de favores e subornos paralisam totalmente. Só nos resta sentar nas confortáveis poltronas de uma sala com ar condicionado e acompanhar a platéia nas sonoras gargalhadas que desabam após cada tirada dos atores. Além de Jandira e Marcos estão no palco Miguel Magno, Noemi Marinho, Tânia Bondezan e Diego Leiva. Francarlos Reis faz uma participação especial. Na saída, enquanto aguardava o carro, escuto uma espectadora comentar: "Como a censura deixou passar!" Nem sabe que não existem mais censores oficiais em atividade no país, só a falta de vergonha de quem cala e consente. Nota do Editor: Delmar Marques é jornalista, escritor e dramaturgo.
|