13/09/2025  16h03
· Guia 2025     · O Guaruçá     · Cartões-postais     · Webmail     · Ubatuba            · · ·
O Guaruçá - Informação e Cultura
O GUARUÇÁ Índice d'O Guaruçá Colunistas SEÇÕES SERVIÇOS Biorritmo Busca n'O Guaruçá Expediente Home d'O Guaruçá
Acesso ao Sistema
Login
Senha

« Cadastro Gratuito »
SEÇÃO
Opinião
11/03/2006 - 09h09
Na orgia da festa
Labi Mendonça
 

Ou será no desespero da fé?

Sei que tem muito intelectual que diz não gostar de carnaval. No Brasil o carnaval é uma festa muito importante, tão importante quanto o natal.

Tem gente que detesta. Os beatos, os puritanos, os frescos metidos a sebo também execram. Sei que tem gente boa que critica dizendo que é uma loucura generalizada que toma conta das pessoas e faz a festa profana mais famosa do mundo parecer uma orgia desenfreada de ritmos primitivos, de bebedeiras, dança, suor, sexo e futilidade.

Tem os que explicam pela ótica da psicologia dizendo que é uma catarse coletiva necessária como válvula de escape das pressões sociais. Mas tem também quem saiba defender pelo lado da cultura popular, da festa de folia tradicional de um povo, e que até se mostra como uma manifestação riquíssima onde a mistura de várias artes consegue produzir coisas sempre inovadoras e culturalmente dinâmicas na nossa sociedade miscigenada e sincrética.

Eu não me preocupo muito com essas explicações nem com os ataques. Eu sei que gosto desse tal de carnaval. É uma coisa deliciosa. Eu curto diferentes aspectos dessa folia.

Fico pensando nos milhares de pessoas que vivem quase todo o ano, ou até o ano inteiro, trabalhando para que os carnavais sejam sempre inesquecíveis para quem deles participe. Uma multidão de artesãos, de coreógrafos, de artistas plásticos, músicos, aderecistas, mecânicos, costureiras, fabricantes de bebidas, de tecidos etc.

É um período especial que mobiliza inúmeros setores da economia, até a importação de artigos e a exportação de outros produtos advindos do carnaval. Chegamos a exportar bundas para outros países, admirados, que levam nas fitas de vídeo ou DVD essas esculturas eróticas nacionais.

No Brasil inteiro, em cada rincão diferente, festas, manifestações culturais regionais específicas, brincadeiras, tradições, são revisitadas e renovadas.

Acontece num período especial, perto do final do verão. O turismo ganha sua expressão máxima, a hotelaria se dinamiza, e as pessoas entram numa espécie de frenesi que torna a coisa sempre muito interessante e excitante de observar e de vivenciar.

Eu hoje não bebo mais, mas já bebi muito e gostava de ficar alegre para me divertir mais ainda no carnaval. As pessoas ficam excitadas, procuram fantasias para vestir ou para viver, se despem, se travestem, se mascaram ou se desmascaram, revelando sua natureza descomprimida pela maior liberalidade que a época impõe. Elas querem brincar e ser felizes.

Não estou tentando fazer uma resenha cultural sobre a importância do carnaval e nem um resgate das suas origens. Estou falando mesmo do prazer que eu sinto nessa época, ao ver as pessoas se entregando a essa maravilhosa fantasia de viver na alegria e na onda liberal de poder esquecer o mundo e as suas rígidas obrigações, para embalar um sonho de alegria que dura poucas horas ou alguns dias.

Seja no norte, na Amazônia dos bois-bumbás, no nordeste dos frevos e maracatus, na Bahia dos trios elétricos, ou no centro-oeste e sudeste dos blocos e das escolas de samba, ou ainda no sul de gaúchos, manezinhos e paranaenses, que exporta turistas para as demais regiões, o carnaval incendeia a grande maioria do povo e faz com que esse período seja uma busca coletiva pelo prazer.

Eu fico encantado quando vejo a busca sadia pelo prazer. Sei que tem a busca doentia, mas essas loucuras existem em todas as épocas. No carnaval eu vejo a busca sadia pelo prazer tomar mais evidência. As pessoas se despem, buscam as praias e o sol para ficarem bronzeadas, se embelezam, se esforçam para exercitar melhor a força da sedução, incorporam uma sensualidade ampliada pelo desejo de sensações libertas das rígidas restrições que o dia-a-dia lhes impõe.

As mulheres exibem seus corpos sensuais, algumas chegam a desfilar nuas, belezas tentadoras, provocando o desejo e satisfazendo a necessidade exibicionista de se expor aos olhos admirados do resto do mundo. Mesmo quem não é um poço de beleza assume sua forma natural e se expõe, transgredindo com deleite os padrões de normalidade.

Eu me encanto com essa época subversiva e anárquica, onde as pessoas podem dar uma liberada básica e geral na sua própria loucura, sem que sejam definitivamente condenados ao julgamento dos que se colocam como os donos dos destinos. E vejo com grande satisfação as brincadeiras, os desfiles, as multidões que se sacodem nas ruas ao som de ritmos frenéticos.

A impressão que eu tenho é que nesse período até o sexo é feito de uma forma mais arrojada e excitante. Quem nunca deu daquele jeito vai experimentar e dar. Quem nunca comeu daquela forma vai tentar comer. As pessoas buscam satisfazer alguns desejos e fantasias guardadas especialmente para esse período onde podem dar espaço para tais sentimentos e vontades.

Eu assisto a esse maravilhoso espetáculo da vida, que busca com mais intensidade o prazer imediato ao seu alcance e fico contente, achando que a cada ano mais pessoas se libertam da prisão da vida comum e sem revolta se permitem mergulhar nesse mar de aventuras e novidades que a festa do carnaval oferece. Até parece que o paraíso voltou a se instalar na terra.

Mas além dessa onda de alucinação encantada pela folia do carnaval, o mundo continua cada dia mais hediondo. Ao mesmo tempo em que vejo o maior dos espetáculos cênicos da atualidade no mundo, o desfile das escolas de samba no Rio de Janeiro, também assisto uma reportagem onde pessoas bomba se matam assassinando com seu gesto terrorista a centenas de outras totalmente indefesas. Aí eu acordo do sonho bom e fico vendo novamente o pesadelo acordado, onde a humanidade continua a ser de uma falta de sensibilidade atroz, selvagem e brutal, de uma crueldade e egoísmo sem precedentes.

Então eu fico pensando: será que as vigílias e os exílios dos religiosos que acontecem nessa época são contra a entrega natural das pessoas de bem em busca do sonho e do prazer ou somente rezam para se redimir do mal que as religiões e seus extremismos causam à humanidade em sua declarada busca pela redenção? Alguns dizem que a loucura do carnaval aparentemente passou. Eu digo que a loucura voltou. Mais do que nunca ainda não estamos livres da ameaça dessa loucura que pode um dia incendiar ou explodir o mundo em defesa do ódio e da intolerância que muitas vezes se justifica na fé.


Nota do Editor: Labi Mendonça é colunista da seção Iscas Atitude do site www.lucianopires.com.br. Paulista, publicitário, cineasta, consultor em marketing, mais de 30 anos de carreira entre o Rio de Janeiro, África, Europa, Salvador, São Paulo. Designer, diretor de arte, editor de som, montador, diretor de criação, fotógrafo, diretor de planejamento e marketing, roteirista e realizador de filmes e vídeos, produziu dezenas de Programas de Treinamento na área de Comunicação Social. Pelas principais produtoras do Rio e SP atendeu no Brasil, várias agências nacionais e internacionais. Escritor, autor de livros e de materiais instrucionais para programas de treinamento. Foi coordenador Geral de Produção do Núcleo de Teledramaturgia do SBT - canal 4 - SP em 1991 com Walter Avancini, e também foi diretor de produção de vários Longa Metragem nacionais e internacionais.

PUBLICIDADE
ÚLTIMAS PUBLICAÇÕES SOBRE "OPINIÃO"Índice das publicações sobre "OPINIÃO"
31/12/2022 - 07h25 Pacificação nacional, o objetivo maior
30/12/2022 - 05h39 A destruição das nações
29/12/2022 - 06h35 A salvação pela mão grande do Estado?
28/12/2022 - 06h41 A guinada na privatização do Porto de Santos
27/12/2022 - 07h38 Tecnologia e o sequestro do livre arbítrio humano
26/12/2022 - 07h46 Tudo passa, mas a Nação continua, sempre...
· FALE CONOSCO · ANUNCIE AQUI · TERMOS DE USO ·
Copyright © 1998-2025, UbaWeb. Direitos Reservados.