Estava indignada diante da complexidade da matéria. E mais indignada ainda diante do fato de ter prova no dia seguinte. Chegou a uma conclusão: - Eu vou colar na prova. Seu tio, D’Artagnan, a olhou de soslaio, a boca torta em desagrado. - "Colar"? – Ele assoviou. – Cinco letrinhas bastante perigosas. O que está querendo dizer com isso? - Não complica, tio. Você me entendeu. D’Artagnan pigarreou. É preciso límpida cautela, supimpa prudência e incisiva argumentação ao lidar com as novas gerações, pensou ele. E também uma posição mais adequada. Fechou o livro "Las Antiguas Culturas Mexicanas" de Walter Krickeberg, colocando-o de lado, e cruzou as pernas. - Isso lhe trará duras conseqüências. Você vai perder a possibilidade de extrair o máximo de seu universo intelectual – fulminou, enquanto movia as mãos como um maestro epiléptico –, e vai perder seu ímpeto individual... - Quê??? - Vai deixar seu id se confundir com a expressividade alheia e perderá toda sua identidade... - Tio... - E vai deixar toda sua incontestável criatividade escoar resolutamente... pelo ralo – encerrou, as mãos erguidas acima da cabeça como uma bailarina. - Que criatividade, tio D’Artagnan? Não viaja. A prova é de matemática. Como vou ser criativa numa prova de matemática? Ele voltou a olhá-la de soslaio, dessa vez mordendo o lábio inferior. - Ah, é? Matemática? - É. - Hum, deixe-me pensar. – Ele começou a roer a unha do polegar esquerdo. Quando chegou na carne do dedo e sentiu o gosto do sangue, perguntou: – Em que série você está, mesmo? A garota, impaciente, respondeu entre suspiros: - Segunda, tio! Segunda série! E não vou conseguir decorar esse monte de regras de divisão e multiplicação. – A garotinha de sete anos colocou a mão na cintura, determinada. – Por isso, eu vou colar na prova. D’Artagnan pigarreou de novo, descruzou as pernas e voltou a apanhar "Las Antiguas Culturas Mexicanas". Definitivamente, concluiu ele, não há límpida cautela, supimpa prudência ou incisiva argumentação disponíveis sobre a face terrestre para fazer frente às novas gerações. Nota do Editor: Juliano Martinz é técnico em informática (mas o sonho de abandonar as máquinas e sobreviver como escritor persiste, inexpugnável).
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