Dentre as pérolas da retórica político-econômica, analisemos esta: "Qualidade de Vida". O sujeito que inventou esta expressão é um gênio. Satisfaz em todos os momentos, principalmente quando o discurso do candidato está prestes a cair no abismo. Basta dizer que a intenção é dar ao povo "qualidade de vida" e pronto, a raposa converte-se em homem de bem. A classe média suspira, ciente de que qualidade de vida é sua busca perene. Uma coisa limpa e sadia, redonda, sem arestas, nem rabiscos. Carro do ano, casa de dois andares e Balantines. Para os pobres, qualidade de vida tem outro significado. É a antevisão do paraíso. Comida na mesa, roupa nova, e um teto de lambuja. Mas aos opulentos, nascidos em berço de 24 quilates, a expressão apenas confirma o que eles nunca precisaram buscar, mas convence-os de que a vida foi nobre, estofada com volumosos pacotes de excelência. A universidade embarca na qualidade de vida, com medo de perder o bonde da globalização. É preciso convencer os alunos de que eles têm qualidade de vida enquanto engolem mais uma monótona aula de "metodologia científica"! É preciso mostrar à funcionária que ela tem qualidade de vida enquanto desinfeta o banheiro malcheiroso. Se eles acreditarem que sua vida tem qualidade - reza a filosofia - então ela tem! Espertos vindos das grandes escolas do Norte trazem as novidades e enchem anfiteatros com discursos que pouco ficam a dever aos ministros religiosos: atender o cliente de maneira tão delicada que ele nem sinta o ouriço que estão lhe enfiando goela abaixo; produzir maravilhas descartáveis de forma a encher o caixa, eis o plano. Nos balcões das lojas somos atendidos com gestos plácidos, calculados. Somos chamados de "senhor" com um sorriso tão servil quanto o do cãozinho órfão que pede osso. Táticas de venda que os funcionários aprenderam a praticar durante árduas sessões de "treinamento profissional". Que saudades de ver o balconista atrapalhar-se na hora de embrulhar o peixe! Que saudades de ser atendido sem essa intimidade forçada, essa necessidade de vender que tentam traduzir como "amizade à primeira vista". Profunda dissonância! Estamos ficando cada dia mais parecidos com os astros de roliúde, aliás, com os coadjuvantes, infelizmente, ou, pior, com os figurantes. Cada dia mais iguais, e mais fiéis ao papel que nos impuseram. Não interessa quantos sejam atropelados neste processo, pois a humanidade optou pela qualidade de vida. Quem fala nisso, para não estragar o discurso, não pode levar ao palanque eleitoreiro os pais que morrem feridos nas periferias, ou as crianças que jamais souberam o significado da esperança. O espírito humano está morto, embalsamado em livros e filmes antigos, mas que importa, se temos qualidade de vida? É preciso que tudo aconteça da forma mais limpa e cristalina, para que a minoria continue na abastança, para que o abastado viva 70 ou 80 anos na abastança e deixe uma prole que viverá 80 ou 90 anos na abastança, e assim... será isso que a humanidade espera de si? A humanidade pena, há milênios, no aguardo da boa vontade política. Até agora não deu certo, exceto naqueles lugares onde o povo ensinou aos seus "líderes" - na base do coice - a diferença entre a democracia e a demoniocracia. Os brasileiros têm medo de lutar, por isso vivem migrando para esses lugares cujos povos não tiveram medo de lutar.
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