Uma das regras de ouro do comércio exterior é: não exportar impostos. A razão é simples: impostos não beneficiam os consumidores de outros países. Nós, entretanto, consumidores no nosso próprio país, não somos ressarcidos de um imposto cruel: a burocracia que as empresas nos transferem agregadas ao produto ou serviço que compramos. No momento em que uma empresa começa a organizar-se é que ela transfere, para seus clientes e usuários, parte das suas dificuldades de lidar com o próprio crescimento. A primeira e mais importante dificuldade é a de lidar com o poder. Todos os cargos têm algum poder, mas, em geral, poder para falar não. Quantos têm o poder para falar o sim? Poucos. Porque o sim é o deflagrador de mudanças. O não é conservador, paralisador do pensamento criativo. Portanto, o verdadeiro poder é o de dizer sim e não. Vejamos alguns exemplos práticos. Em um aeroporto qualquer, o passageiro com excesso de bagagem é encaminhado ao balcão da companhia aérea. O responsável calcula a diferença e o passageiro preenche o cheque. Ao receber o cheque, o responsável aplica-lhe, no verso, um carimbo solicitando várias informações. Em seguida, pede-se a carteira de identidade, o cartão de garantia do cheque, e o atendente confere os dados. Posteriormente, coloca um carbono entre o cartão e o cheque e esfrega a caneta de modo a gravar neste os dados do cartão. Ainda falta uma etapa. O responsável dirige-se ao telefone e liga para o Banco a fim de verificar se o emitente tem os fundos suficientes para cobrir o cheque. Depois de recebido um OK, é devolvido o recibo e o passageiro está pronto para retirar o seu cartão de embarque. Nas inúmeras vezes em que o passageiro passou por essa experiência, tentou conversar com as diferentes pessoas que o atenderam. Todas elas, quando perguntadas do porquê daquela burocracia, respondiam que cumpriam ordens. Quando perguntadas se conversavam com seus chefes sobre as reclamações dos passageiros, respondiam com um "já falei" e ponto. Os atendentes são pessoas que estão na interface com os clientes. Eles têm a informação em primeira mão. Estão próximos dos problemas e, portanto, das soluções. Mas, não têm poder para falar o sim. Só o não, acompanhado de uma omissão desrespeitosa, afinal que já perderam a paciência para explicar aos seus interlocutores, que não é por má vontade, mas, sim que seus cargos estão esvaziados. Outra situação. Um morador deseja a mudança de um poste que está na entrada da sua garagem. Liga para a concessionária e recebe a informação de que é possível a mudança, desde que ele pague antecipadamente. Quando questiona o porquê do pagamento antecipado, o atendente retruca: "E se fizermos o serviço e o senhor não pagar?" O morador contra-argumenta: "Vocês têm um recurso: cobrem na conta de luz e se eu não pagar, cortem o fornecimento de energia". Não adianta. Tempos depois, decide fazer a mudança. Recebe uma carta com todas as informações, menos sobre a forma de pagamento. Ao lado da assinatura do funcionário, há um número de telefone. O morador liga. A resposta: "Não podemos dar informações por telefone". Ele argumenta: "Só quero saber como pagar!" Não adianta. Manda um motoboy que atravessa a cidade. Este volta com a informação: "O pagamento é através de boleto bancário". Vejamos agora casos diferentes. O Comandante Rolim, que era o Presidente Estratégico da TAM, contava dois casos em que seus funcionários assumiram o cargo de Presidentes Operacionais, em situações críticas, e nas quais se encontravam na interface com o cliente ou com o problema. Um foi o da telefonista, que tomou a iniciativa de contratar um táxi aéreo, para levar uma peça para uma fábrica que estava parada em Paranaguá. O outro foi o do comandante que sacou o seu talão de cheques e mandou comprar uísque para os passageiros, quando seu avião ficou retido em Viracopos, por problemas meteorológicos. Estes exemplos evidenciam duas coisas: primeiro, as pessoas não ficaram presas dentro dos limites dos seus cargos dizendo simplesmente não; segundo, não transferiram, para o cliente, os eventuais entraves burocráticos da empresa. Nos dois casos eles foram os Presidentes Operacionais porque fizeram o que tinha que ser feito, independente do fato de serem ou não suas responsabilidades. Uma das características mais fortes da burocracia é o enquadramento das pessoas dentro dos limites dos cargos e dos regulamentos. As pessoas passam a ver a empresa e o seu trabalho através dessas janelas estreitas. Hoje, é preciso que os trabalhadores se vejam como parte de um processo. Assim, ainda que não seja obrigação do comandante comprar uísque para passageiros, ele foi capaz de se perceber dentro de algo maior do que simplesmente tirar e devolver o avião ao solo com segurança. Empowerment é derrubar paredes, pisos e tetos dos cargos, redesenhando-os sob a ótica do processo no qual aquelas pessoas estão envolvidas. Entretanto, as paredes só caem quando a Visão, o Negócio e a Missão da empresa são claros para todos. Numa empresa, onde há um processo de empowerment, a transferência de burocracia, para o cliente, é mínima ou inexistente. Porque, afinal de contas, a burocracia não agrega nenhum valor ao produto ou serviço pelo qual nós estamos pagando. Nota do Editor: Odino Marcondes é sociólogo, Consultor de Organizações e Diretor da Marcondes & Consultores Associados.
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