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COLUNISTA
Evely Reyes
04/04/2012 - 09h01
Serena e Bambina
 
 
 
Evely Reyes 
  Serena e Bambina.

Outro dia me deparei com uma situação inusitada: retirei das ruas do município de Aquiraz, próximo de Fortaleza, uma jumenta e sua filhota de praticamente uns vinte dias.

Na verdade elas estavam abandonadas perto da rodovia estadual CE 040 onde há moradores dos dois lados, a ponto de serem atropeladas e então, com a colaboração do caseiro do sítio que mantenho, resgatei-as.

Improvisamos um local seguro para pernoitarem, onde permanecem tranquilas diante de qualquer intempérie. Durante o dia ficam resguardadas em alguns terrenos específicos que possuem vegetação abundante, da qual se nutrem com a permissão dos proprietários e sempre observadas pelo meu caseiro que lhes dá total atenção.

A mãe é muito comilona e tranquila, por isso recebeu o nome de Serena e sua filha me lembra o Bambi do Walt Disney, motivo pelo qual foi batizada de Bambina, conforme sugestão da amiga Sonia Marafon, de Ubatuba - SP.

Não tinha ideia de criar um asno, mas entendi que seria uma oportunidade de salvar dois bichos da crueldade e do abandono a que são submetidos com frequência.

Sinto muita compaixão por eles, pois costumam ser explorados ao máximo, sem piedade. Sua imagem me remete à humildade, que nada mais é do que poder e saber!

Considerando as passagens bíblicas, Jesus montou muitas vezes sobre o jumento: indo a Belém no ventre de Maria, durante a fuga para o Egito nos braços da mãe e ao entrar vitorioso em Jerusalém, para algum tempo depois morrer. É tudo muito significativo!

O asno, jumento ou jegue são palavras de mesmo sentido para denominar um animal bastante resistente, que foi utilizado por muito tempo no transporte de cargas e alimentos, mas que com o advento da urbanização e modernização perdeu seu prestígio e passou a ser “jogado fora” como lixo pela maioria dos proprietários.

Aqui no estado todos os asnos sem dono que vagueiam sem rumo são recolhidos para a Fazenda Paula Rodrigues, no município de Santa Quitéria, a 220 km de Fortaleza, sob responsabilidade do Detran-CE. Lá, espera-se que sejam mantidos em condições dignas, evitando assim que sejam atropelados, causem algum acidente ou transtorno de outro tipo.

A UIPA-CE União Internacional Protetora dos Animais do Ceará fez denúncias de maus-tratos junto ao Ministério Público em determinada época sobre a situação dos animais na referida fazenda, o que melhorou muito o manejo, possibilitando até o presente momento o cumprimento do Termo de Ajustamento de Conduta para que todos os animais recolhidos em Santa Quitéria fossem devidamente vacinados, vermifugados, alimentados e mantidos com respeito.

Serena e Bambina estão levando vida de princesa no sítio. A mãe se alimenta de milho, vegetação, frutas e restos de comida que guardo especialmente para ela: fica alucinada por arroz e também é apaixonada por pão!

A filhota por enquanto só pensa em mamar, brincar e dormir!

Mas, para a minha tristeza e de muitos protetores de animais os jegues do Rio Grande do Norte não terão o mesmo destino feliz, pois foi celebrado um acordo, há um mês entre o Brasil e a China sobre a exportação de 300 mil jumentos ao ano para abate e experiências de laboratório da indústria de cosméticos.

As autoridades e empresários do Rio Grande do Norte encontraram uma saída lucrativa para o abandono desses bichos pelas ruas de seus municípios: o envio para o mencionado país asiático, que é composto por mais de 1,34 bilhão de habitantes.

Não tinha conhecimento de que o povo chinês, além de comer carne de cachorro, alimenta-se de jegues. Segundo o noticiário, eles fazem abate de 1,5 milhão de asnos ao ano, produzidos na Índia, na Zâmbia e no próprio país.

A bem da verdade, ao longo dos anos aprendi que não há muita diferença entre matar um cachorro, um jumento, uma vaca, ou um peixe. Hoje entendo que todos eles são seres vivos escolhidos pelos seres humanos para serem seus escravos, explorados e que tanto podem servir para experiências científicas, como para alimentação, ou vestiário, lazer, crueldade, caça ou quaisquer outras preferências desumanas.

Minha sensibilidade começou a ficar mais aguçada em razão da vivência direta com a Natureza.

Transformei-me literalmente numa sitiante no final da década de oitenta. Fui morar no Sitio Arca de Noé, em Ubatuba – SP e logo em seguida resolvi criar galinhas.

Subitamente adquiri uma grande quantidade de pintinhos de um senhor que por ali passou em uma Kombi; tudo era uma grande novidade e da noite para o dia resolvi que nesta área rural iria desenvolver as atividades possíveis e correspondentes que me fossem apresentadas.

Um gavião das imediações percebeu a ausência de galinhas em meio àquela centena de filhotes e permanecia de tocaia para dar suas investidas e finalizar o almoço de cada dia. Ele passou a ser meu inimigo número um e eu não acreditava que aquela situação podia estar acontecendo: que direito tinha aquele cruel caçador de comer meus lindos pintinhos?

O tempo passou, o predador foi afugentado e a criação foi ficando maior e apetitosa aos olhos dos amigos que frequentavam o sítio. Sugeriram que fizéssemos um belo churrasco e foi nessa oportunidade que comecei a ter problemas em me alimentar de animais.

Na data marcada para o tal evento não consegui comer nenhum frango, pois ficava pensando que eles eram os pequeninos que eu havia criado com tanto carinho, que se aproximavam de mim para comer o milho que lhes trazia, como então poderia ter coragem de comê-los?

Lembrei daquele gavião que eu julgara ser o vilão da minha história e pensei qual a diferença que haveria entre nós?! Ele estava tentando se alimentar para sobreviver e eu, simplesmente dizimei todos os frangos, apesar de tantas outras opções oferecidas.

É óbvio que não tirei a vida deles, mas fui conivente porque autorizei que fossem mortos: fiquei com tanto remorso que não tive coragem de me servir de nenhum!

Muitos meses depois, o proprietário do sítio vizinho resolveu matar seus porcos e eu, esquecida daquele episódio, sem pestanejar encomendei um pernil.

Esse dia foi inesquecível: estão muito claros na minha memória os gritos dos bichos ao serem mortos e o desespero dos que aguardavam a hora fatal. Todos sabiam do destino que lhes havia sido reservado e isso foi transmitido aos meus cachorros no linguajar em que eles todos se comunicam, pois uivaram o dia inteiro e latiam muito diante da matança e do cheiro de sangue tão próximo.

Penso que a inteligência bem como o instinto que os animais têm lhes permite entender situações desse tipo, pois percebem que a morte está nas adjacências e sofrem por pensar que podem ser os sacrificados da vez ou que alguém próximo vai ser executado.

Após essa data deixei de comer todas essas carnes e o pernil encomendado foi doado, pois era impossível colocá-lo no meu prato sem recordar de toda a tragédia que havia ocorrido.

Não consegui!

Passei então a me alimentar de peixes e frutos do mar, até que por fim, após descobrir que eles também têm sistema nervoso central e são sencientes aboli do meu cardápio qualquer ser vivo que tenha olhos. Experiências comprovaram que as estruturas do cérebro que transmitem a dor são encontradas nos peixes e eles sentem e reagem a diferentes estímulos do mesmo modo que os mamíferos. Também sabem que vão morrer e não querem, pois como nós, têm o instinto de sobrevivência.

O caminho é o da consciência e cada um vivencia um estágio de entendimento acerca de sua realidade e de como interage com base na sua visão de mundo.

Algumas pessoas ficam chocadas de pensar que os chineses se alimentam de jegues, porque no Brasil eles ainda são utilizados para transportar cargas e os vemos com mais frequência do que vacas ou porcos, que vão direto para o matadouro.

Se nos colocássemos no lugar dos animais entenderíamos o tamanho do sofrimento por que passam e concluiríamos que “não há muita diferença entre matar um cachorro, um jumento, uma vaca ou um peixe.”

Esse acordo dos chineses com os brasileiros será um “filme de terror” para esses pobres bichos porque começarão a sofrer durante o percurso, com as péssimas condições em que serão transportados, pois provavelmente todos ficarão amontoados em espaços insuficientes e sem a menor condição de higiene e manutenção. É assim que o ser humano age em relação aos animais: são tratados como objetos quando o destino é o abate, deixando de lhes oferecer cuidados ou qualquer atenção enquanto vivos!

Serena e Bambina estão muito longe desse navio de horrores, mas por certo participarei de todas as manifestações e petições que surgirem contra esse nefasto acordo, pois é a força de cada um de nós que tem feito o trabalho da proteção animal surgir todo minuto mais forte e coeso, sem o menor descanso, em prol da harmonia e equilíbrio de todos!

Aos que não compreendem e sugerem que eu vá cuidar de crianças, sou tolerante pois eles provavelmente não fazem nada por elas e nem por ninguém, só se preocupam em criticar e não em agir.

Eu me sinto em Paz, porque seja qual for a vítima, tenho sensibilidade e coragem para me indignar, me manifestar e fazer algo concreto diante da injustiça praticada!


Nota do Editor: Evely Reyes Prado, reyesevely@yahoo.com.br, paulistana, formada em Direito pela PUC-SP, morou em Ubatuba por vinte anos, onde aposentou-se pelo Tribunal de Justiça - SP e foi integrante da APAUBA - Associação Protetora dos Animais de Ubatuba. É autora de contos em Antologias diversas, e dos livros “Tudo Tem Seu Tempo Certo” e “Do Um ao Treze”, encontrados através do site www.scortecci.com.br.
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