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COLUNISTA
Rodrigo Ramazzini
13/10/2014 - 09h41
Passado
 
 

Em uma cela de uma Delegacia de Polícia.

– Ô meu Deus, o que foi que eu fiz? O que foi que eu fiz?
– Preso, Márcio? Preso?
– É... Preso... Homicídio... Duplo homicídio...
– Culpado? Ou podes alegar inocência? Advogado especialista neste assunto tem aos montes por aí. Só arranjar um bom!
– Sou culpado, sim! Matei os dois mesmo. Não há como negar... Onde eu estava com a cabeça?
– Sei... E tudo por uma vingança?
– É... Vingança... Vingança que está me levando ao fim... Acabei como homem! Decretei o meu fim como ser humano! Se é que posso ser considerado um depois de hoje...
– O pior é que nem cara de criminoso tem! 
– Pois é... Não é preciso ter cara de criminoso. Mas o instinto de um... 
– E agora?
– Não sei! Não sei! Só sei que estou causando um sofrimento enorme a mim e a minha família... 
– Pois é...
– E na família dos mortos... 
– Também!
– O que foi que eu fiz, meu Deus?
– Arrependido?
– Muito!
– Agora, não adianta questionar o que fizestes...
– É...
– Até porque a resposta é simples...
– Simples? Como simples?
– Sim! Simples... Deixastes o teu passado definir o futuro...
– Como assim?
– É meu amigo... O passado é um senhor sabido. Ele pode influenciar de duas maneiras em nossa vida... Digo a nossa vida de hoje... O agora... Este instante...
– Duas, é? Hum...
– É... O hoje nada mais é do que o resultado das nossas escolhas do passado. Isso vale para o bem ou para o mal...
– Isso eu sei! E é um tanto quanto óbvia... E a segunda?
– Não é tão óbvia assim porque se fosse nós daríamos maior atenção ao presente...
– Sei... Sei... É... Está bem... E outra?
– A outra é quando vivemos presos em função do passado. Com duas vertentes: a primeira, quando tentamos a todo o custo fazer com que situações que ocorreram dentro de um contexto histórico, social, familiar, festivo e entre outros, voltem a acontecer em um presente totalmente diferente... E insistimos e acreditamos que ressuscitar tais situações “museológicas” é que faz a vida ter sentido... Mesmo que não faça sentido nenhum! Viramos presos de nossas crenças!
– Hum... Entendi... E a segunda vertente?
– É onde tu te encaixas... Ela tem uma sutil variação da primeira.
– Eu? Como?
– É quando conduzimos as nossas vidas de forma obcecada por uma ideia ou decisão do passado sem refletir sobre a realidade, seus efeitos e consequências...
– E o que eu tenho a ver com isso?
– Tudo a ver! Vamos ao fato... Quando a Maria Alice te largou há cinco anos para ficar com o Mauro. O que foi que pensastes?
– Pensei... Pensei... Pensei em me vingar!
– Então... E não vivestes em função disso nestes últimos cinco anos? Não fizestes disso o combustível e o sentido da tua vida durante todo este tempo? Não pensavas só em vingança, vingança, vingança?
– É... Eu... Eu...
– Pois é... Consegues ver para onde isso te levou agora? O quão prejudicial foi viver do passado?
– É que...
– Pense em quantas coisas deixastes de aproveitar por estar com esta ideia fixa na cabeça... Por não se permitir desapegar dessa fixação... Desapegar desse passado...
– Mas...
– Mas nada! O teu passado acaba de ditar o teu futuro, Márcio!
– É... Agora... Agora eu consigo ver tudo isso de forma clara! 
– Pois é... Só agora...
– Deixei de viver o presente para sobreviver do passado. Como eu fui burro, meu Deus! Como eu deixei acontecer isso, hein?
– Faltou refletir sobre a própria vida... De usar uma dose extra de razão... De deixar de irrigar diariamente o ódio no coração...
– É... Agora eu consigo ver tudo isso... 
– Pois é...
– Infelizmente, não posso voltar atrás e refazer tudo de novo... 
– Não mesmo! Também não podes reclamar da falta de oportunidades de realizar tais reflexões...
– É... É... Por que não pensei nisso antes, meu Deus?
– É... São as circunstâncias que provocam as reflexões e trazem a maturidade.
– Verdade! É o que realmente me parece agora... 
– Pois é...
– Mas, sei lá! Estranho... Contraditoriamente, mesmo preso, agora, uma parte de mim carrega a sensação de arrependimento e que tenho que pagar pelo que fiz... Sofrimento mesmo... Mas outra parte carrega a sensação de leveza, liberdade e realização! E não é pelo fato de ter me vingado... Acho que é pela compreensão e motivações do crime... Parece que acabo de descobrir uma página nova da minha história de vida.
– É... Eu sei, Márcio!
– Sabes?
– Sim! Eu sei. Eu sou a sua consciência!


Nota do Editor: Rodrigo Ramazzini é cronista.
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