Cerca de 75% das despesas do governo são obrigatórias
Para saber o quanto pode gastar, uma família faz as contas do que recebe periodicamente, seja como salário ou pela venda de sua produção. Assim, também faz o governo, mas de uma maneira bastante mais complexa. Além de ter que fazer a previsão do que arrecadará e das suas despesas, o governo tem que obedecer uma série de leis que o obrigam a cuidar de áreas essenciais, como saúde, educação e políticas sociais e ainda prever investimentos, principalmente em infra-estrutura, para estimular o crescimento econômico. No Orçamento da União, existem as chamadas despesas obrigatórias e vinculações. A arrecadação proveniente da Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira (CPMF), por exemplo, deve ser, por lei, diretamente repassada a ações de saúde, ao Fundo de Combate e Erradicação à Pobreza, ou ao pagamento de benefícios da Previdência Social. Outro exemplo de vinculação são os recursos da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico sobre os Combustíveis (Cide). Os valores arrecadados devem ser repassados para programas de infra-estrutura de transportes (recuperação e construção de rodovias, por exemplo) e ainda financiam os subsídios aos preços ou transporte de combustíveis. Parte da Cide é repassada, também, para projetos ambientais relacionados à indústria de petróleo e gás. Os dados são do ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Algumas vinculações são constitucionais, outras exclusivas. Um exemplo é a transferência que o governo federal faz para estados e municípios. Assim, parte da arrecadação da União compõe o orçamento dos governos estaduais e das prefeituras. Parte do orçamento é direcionada para o refinanciamento e amortização da dívida e para o lançamento de títulos da dívida, e ainda para indenizar a desapropriação de terras destinadas à colonização e reforma agrária. Um estudo elaborado pelo Ministério do Planejamento mostra que, de 1990 para cá, as vinculações de recursos têm mantido sua participação em torno de 75% das receitas federais. O economista e professor da Universidade de Brasília (UnB) Roberto Piscitelli diz que, devido a esse percentual grande de vinculações, sobra muito pouco espaço para a apresentação de emendas de parlamentares ao Orçamento. Isso restringe tentativas de, por meio dessas emendas, o deputado ou senador atender a suas bases eleitorais com obras e serviços. "As despesas que chamamos de obrigatórias são aquelas em relação às quais nem é possível fazer emendas. Por exemplo, as despesas de pessoal, benefícios previdenciários, transferências constitucionais que a União faz para estados e municípios. São valores que estão definidos porque não se pode deixar de pagar pessoal, pagar aposentados e pensionistas e ainda é preciso transferir uma parte do que se arrecada para estados e municípios", explica Piscitelli. O restante fica para as chamadas despesas discricionárias, nas quais se pode fazer alterações para as destinações. "Em relação a estas (despesas discricionárias) é que se pode fazer alterações, estabelecer prioridades. Essas é que podem mudar um pouco de rumo a destinação dos recursos, mas que não são a maior parte das despesas", lembra o economista. Ele compara esse exercício de distribuição ao de uma família quando elabora seu orçamento. "Isso vale para nosso orçamento doméstico, familiar. Certamente a maior parte das nossas despesas está carimbada (com destinação obrigatória). Quase toda gente utiliza para fazer o mesmo tipo de pagamento [água, luz, telefone, compras no supermercado], ainda que os valores mudem às vezes. São despesas sem as quais a nossa casa não funciona. As outras são aquelas que a gente pode eleger a cada momento, de acordo com nossos desejos e aspirações, ou ainda necessidades da própria família", explica o professor.
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